30 de out. de 2011


“Mesmo em último caso, a palmada não é válida”, diz terapeuta familiar


Carlos Zuma JN
 
 
 
Carlos Zuma* defende o debate em torno da “Lei da Palmada” e analisa o momento de transição dos modelos de educação dos filhos

Com a criação do Projeto de Lei 7672, queproíbe os pais de castigarem fisicamente os filhos, abriu-se uma discussão que parece ser interminável na sociedade: afinal, é tão maléfico assim dar umas palmadas ou beliscões nos filhos? Na semana passada, a terapeuta infantil Denise Dias, autora do livro “Tapa na Bunda – Como impor limites e estabelecer um relacionamento sadio com as crianças em temos politicamente corretos” (Editora Matrix), concedeu uma entrevista ao Delas defendendo o uso do que se costumou chamar de “palmada pedagógica”. Mas para o psicólogo e terapeuta familiar Carlos Zuma, esse está longe de ser o melhor caminho.
Carlos é secretário executivo do Instituto Noos, organização sem fins lucrativos que visa promover a saúde dos relacionamentos familiares e comunitários, e membro da Secretaria Executiva da Rede “Não Bata, Eduque”. Segundo ele, a violência contra as crianças – por mais que seja um puxão de orelha de leve – não possui nenhuma utilidade benéfica. Pelo contrário: pode deixá-la traumatizada ou ensiná-la que é assim que se faz. “Muitas pessoas estão no automático, repetindo modelos que eles mesmos condenavam”, diz. Confira entrevista com ele.

iG: O que você acha do Projeto de Lei que proíbe castigos físicos, como beliscões e palmadas, para “corrigir” os filhos?
Carlos Zuma:
 Eu apoio a lei. Mas acho que o melhor ângulo de vê-la não é pela proibição do castigo em si. Prefiro defini-la como uma lei que garante o direito das crianças de serem educadas sem o uso de castigos corporais e tratamentos degradantes. Pelo direito que têm de serem educadas sem apanhar, sem serem humilhadas. Esse é o ângulo pelo qual prefiro vê-la. Uma lei é importante para dar parâmetros de comportamento e para os juízes poderem julgar os casos com base em uma legislação clara. Se isso não acontece, só lhes restam interpretações subjetivas e questões sobre qual o limite entre o mau trato e a boa educação. A lei é importante, portanto, para que não haja subjetividade.
iG: Você acredita que a lei pode ser mesmo efetiva?
Carlos Zuma:
 Não acredito que uma lei sozinha irá mudar comportamentos já arraigados em nossa cultura. Eu acredito que pode mudar, mas a lei sozinha não funciona: todo o debate em torno dela é que pode trazer a mudança cultural que precisamos. E temos evidências de mudanças já acontecendo. Nossos avós viveram a infância em uma época que era normal as crianças ajoelharem no milho e os professores usarem palmatória como método de educação e disciplina, mas já podemos ver como há uma posição contrária dos pais a isso hoje em dia. Temos, portanto, que ver o castigo físico da mesma forma. O grande problema mesmo é confundir a educação com esse castigo físico, o bater. Quando fazemos alguma campanha sobre o assunto, é impressionante o número de pessoas que questionam como vão educar se não podem bater nos filhos. Tem gente que acha que é uma coisa é sinônima da outra, mas não é.

iG: Ainda em relação à própria lei, haverá alguma maneira de distinguir uma “palmada educativa” de uma real agressão à criança? Você acha que é possível fiscalizar esse tipo de situação?
Carlos Zuma:
 Justamente porque é muito difícil distinguir uma coisa da outra, o melhor mesmo é determinar que não é necessário bater para educar. E, de fato, não é necessário. Existem gerações e gerações de pessoas que foram educadas sem nunca terem tomado um tapa, e isso não as tornou psicopatas. Claro que a maioria dos pais tem a melhor das intenções quando dão palmadas em seus filhos. Vemos que os pais querem educá-los para não se tornarem um bandido, um marginal, então dizem que preferem bater do que ver a criança apanhar da polícia ou da vida no futuro. A intenção dos pais é a melhor possível, mas as consequências, para as crianças, são sentidas para o resto da vida. E não é só o tapa que faz isso: é a humilhação também.
iG: Como você mesmo cita, alguns pais acreditam que é melhor dar palmada nos filhos para discipliná-los antes que “apanhem” da vida ou até mesmo, literalmente, da polícia. Uma criança que não é disciplinada a palmadas terá menor capacidade de lidar com as adversidades da vida, no futuro?
Carlos Zuma:
 Uma criança que não foi educada e disciplinada terá maiores chances, sim, de apanhar da vida. Não tenho a menor dúvida disso. Mas a melhor forma de educar e disciplinar não é batendo na criança. Eu não tenho a menor dúvida: crianças que não foram educadas pelos pais sofrem muito mais e levam muito mais tempo para se adaptar à realidade. Mas eu falo em educar sem o uso do castigo corporal. As pessoas não devem confundir uma coisa com a outra.
Carlos Zuma: educar não significa bater
iG: Como os pais devem impor limites e exercer autoridade sem usar castigos físicos? Você acha que o “tapa na bunda” é necessário em alguns casos – como o de crianças bem mal-educadas?
Carlos Zuma:
 Eu discordo que, em último caso, a palmada seja válida. Ao bater em seu filho, você pode conseguir que ele aja da maneira correta, mas se aquilo está educando-o ou estragando-o é questionável. Quando você bate, está dizendo: “olha, quando alguém te contraria, quando alguém faz alguma coisa que você não quer, é legítimo bater”. E então surge um aprendizado da violência como resolução de conflitos. Mas a violência é uma forma ruim de resolução de conflitos. Quando a proposta da Lei Maria da Penha surgiu, a mesma discussão veio à tona. Pouquíssimas pessoas discordam da necessidade de existir uma lei que proíba o marido de bater em sua esposa. O direito de uma pessoa não acaba porque ela está dentro de casa, seja esta pessoa um adulto ou uma criança.
iG: Se palmada e puxão de orelha não são válidos como últimas atitudes dos pais para a criança obedecê-los, o que eles podem fazer?
Carlos Zuma:
 Não é para usar palmada nem tratamento cruel degradante, mas 
o castigo é válido, desde que esteja adequado à idade da criança e proporcional ao tipo de comportamento que ela teve. Você pode privar a criança de assistir televisão durante uma tarde porque ela fez uma coisa errada, por exemplo. A criança precisa saber que seus atos têm consequências. Com castigo e explicação, ela pode começar a entender que isso ou aquilo é errado.
iG: Muitos pais se perguntam por que não deveriam bater em seus filhos, se eles mesmos apanharam durante a infância e cresceram sem traumas. Você acha que esse argumento é válido?
Carlos Zuma:
 É muito complicado definir o que quer dizer “sem traumas”. Eu duvido que essas pessoas optariam por ser corrigidas como foram – apanhando – se pudessem ter escolhido. Também não é porque eu me vejo sem nenhum trauma hoje que as mesmas atitudes funcionarão para o meu filho. O momento é outro. Uma criança do passado pode ter absorvido melhor o que sofreu de castigo físico em uma época em que ajoelhar no milho era aceitável. Hoje isso não acontece.
iG: Há também o argumento de que violência é ver crianças nas ruas, passando fome e fora da escola, e dar uma palmada ou castigar os filhos não é violência.
Carlos Zuma:
 A violência hoje em dia nos cozinha em fogo brando e nos acostumamos com ela. Sim, há uma violência contextual atualmente, o Estado não provê todas as necessidades básicas a muitas pessoas. Mas por isso vamos dizer que o tapa em uma criança não é violência? Isso não é argumento. Não é pela existência de uma violência contextual que irei minimizar essa outra violência, que é bater nos filhos. É violência da mesma forma e é errada. Precisamos garantir os direitos de todas as crianças e adolescentes, mas nem por isso irei permitir a violência dentro de casa com agressão física ou humilhante.
Mostrar à criança que seus atos têm consequências é a recomendação dos especialistas
iG: O que falta aos pais que tentam educar os filhos na base da palmada?
Carlos Zuma: 
Estamos em um momento de transição dos modelos de educação, modelos que deram certo em alguns aspectos e errado em outros. O problema é que muitas vezes, ao tentar corrigi-lo, vamos para o outro extremo: do autoritarismo para uma política do “tudo pode”. Os pais estão com pouco tempo para educar os filhos, se sentem muito culpados e não querem se ocupar em dar limites. Mas acredito ser uma transição pela qual estamos passando. Iremos encontrar formas claras de educar as crianças sem precisar bater nelas. Precisamos, para isso, refletir. O que fazemos com o nosso tempo? Temos condições ou não de proporcionar uma boa educação para as crianças que colocamos no mundo? Qual a qualidade do relacionamento que irei manter com meus filhos? É preciso ter essa reflexão, mais do que defender o direito de bater em uma pessoa.
Fonte: Renata Losso, especial para iG São Paulo 27/10/2011 08:41
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Colaboração: Eleonora Ramos, coordenadora do Projeto Proteger – Salvador (BA).


*Carlos Zuma Psicólogo, terapeuta de família e casal, Fellow da Ashoka, secretário executivo do Instituto Noos.


Fonte: Blog Educar Sem Violência - Cida Alves http://toleranciaecontentamento.blogspot.com/2011/10/mesmo-em-ultimo-caso-palmada-nao-e.html

29 de out. de 2011

O menino e a borboleta encantada– Rubem Alves


O menino e a borboleta encantada– Rubem Alves


menina borboleta 1
Mil e uma noites haviam se passado desde que o Pássaro Encantado partira. Então ele voltou. Era madrugada. A Menina o viu tão logo a luz alegre do sol fez brilhar as suas penas. Ela o estava esperando. Os apaixonados esperam sempre... Ah! Como foi bom aquele abraço de saudade! Desta vez as suas penas estavam coloridas com as cores das florestas sobre as quais voara. O Pássaro Encantado pôs-se então a cantar os seres das matas, árvores, orquídeas, regatos, cachoeiras, elfos e gnomos... A Menina não se cansava de ouvir. Ouvia e pedia que ele contasse de novo as mesmas estórias, do mesmo jeito. E assim viviam os dois se amando por dias e dias. Mas sempre chegava o momento em que o Pássaro dizia: “Menina, o vôo me chama. Preciso partir. É preciso partir para que o nosso amor não tenha fim. O amor precisa de saudade para viver...” A Menina chorava baixinho mas compreendia. E assim o amor acontecia entre partidas e retornos.
As asas do Pássaro pareciam incansáveis. Estavam sempre à procura de lugares desconhecidos. Ele já visitara montanhas encantadas, planícies geladas, lagos, rios, abismos, castelos, uma cidade construída na divisa entre a realidade e a fantasia, um reino onde era proibido estar triste, lugares sagrados, vulcões, o país dos dragões verdes e dos gigantes amarelos, jardins, selvas verdes, mares azuis, praias brancas... Sobre todos esses lugares ele lhe contara estórias. A Menina não tinha asas. Mas ela voava nas estórias que o Pássaro lhe contava.
Mas os anos foram se passando. O Pássaro envelheceu. Suas asas já não eram as mesmas da juventude. E também os seus sonhos já não eram os sonhos da mocidade. Deseja-se partir quando é manhã. Mas quando o sol se põe o que se deseja é voltar. E assim um desejo novo surgiu no coração do Pássaro crepuscular: voltar...
O sol acabara de se pôr. Vênus brilhava no horizonte. Foi então que a Menina o viu. Suas penas pareciam incendiadas pelo sol. Depois do abraço ele disse para a Menina algo que nunca lhe dissera antes: “Menina, conte-me as estórias da minha ausência...” E foi assim que, pela primeira vez, o Pássaro se calou e a Menina lhe contou estórias.
Por muitos dias o Pássaro e a Menina gozaram do seu amor. Mas o Pássaro já não era o mesmo. Algo acontecera com os seus olhos. Já não procuravam horizontes longínquos. Eles olhavam as coisas simples que havia na sua casa, coisas que sempre estiveram lá, mas que ele nunca havia visto. Não vira porque o seu coração estava em outro lugar. É o coração que nos diz o que é para ser visto.
Aconteceu então, num dia como os outros, o Pássaro abraçou a Menina, e ele sentiu, nas costas da Menina, algo que nunca sentira.
“Menina, o que é isso?” ele perguntou. Ela enrubesceu e respondeu:
“Asas, pequenas asas... Estão crescendo nas minhas costas...”
E para que ele as visse baixou sua blusa. E ele viu. Sim, pequenas asas, delicadas asas, asas de borboleta, coloridas, diáfanas, frágeis... E ele percebeu que a Menina se preparava para voar. Sua Menina se transformara numa borboleta...
O Pássaro sorriu uma mistura de alegria e de tristeza. Sentiu um leve tremor nos lábios, aquele mesmo tremor que vira nos lábios da Menina a primeira vez que lhe dissera: “Eu quero partir...” Chegara a hora em que ela partiria e ele ficaria. Ele seria, então, aquele que esperaria.  Como é dolorido ficar! A solidão de quem fica é maior que a solidão de quem parte! Quem parte vai para mundos novos, cheios de maravilhas desconhecidas. Quem fica, fica num espaço vazio, de objetos velhos, esperando, esperando, contando os dias.
O momento da despedida chegou. A Menina, flutuando com suas grandes asas de borboleta, disse ao Pássaro: “Preciso partir...”
O Pássaro teve vontade de chorar. Queria lhe dizer: “Não vá. Eu a amo tanto.” Mas não disse. Lembrou-se de que essas haviam sido as palavras que a Menina lhe dissera, quando ele partira pela primeira vez. O Pássaro temia por ela. Suas asas eram tão frágeis, asas de borboleta que quebram-se atoa. Queria estar com ela para consolá-la na solidão e no cansaço. Mas não fez gesto algum. Ele sabia que os abraços que não se abrem são mortais para o amor.
Ele estendeu a sua mão num gesto de despedida. A Borboleta voou e nela pousou. Ele se aproximou dela, como se fosse beijá-la. Mas não beijou. Apenas soprou suas asas suavemente. “Voa, minha linda Borboleta”, ele disse, se despedindo.  A Borboleta bateu suas asas, voou e desapareceu na distância.
Então, ao olhar de novo para si mesmo ele não se reconheceu. Já não era o Pássaro Encantado de penas coloridas. Transformara-se num Menino... Um Menino que não sabia voar. Um Menino que esperava a volta da Borboleta Encantada. Então ele voaria nas asas das estórias que ela haveria de lhe contar...

rubem alves 1Esta “estória” tem uma “história”. Trata-se da continuação da estória “A Menina e o Pássaro Encantado” (Edições Loyola) que escrevi para minha filha pequena, Raquel. Devia ser o ano de 1980. Eu iria fazer uma viagem longa para o exterior e ela chorava. Eu devia ter 46 anos, bastante cabelo preto e energia para conquistar o mundo. Os anos se passaram, minhas asas se cansaram e agora nem tenho energia e nem vontade de conquistar o mundo. Ainda tenho prazer em viajar mas as viagens freqüentemente me cansam. Não é cansaço físico. É um cansaço na alma, com aquele descrito no primeiro capítulo do livro de Eclesiastes. Quando todo mundo está viajando eu quero mesmo é ficar. Karl Jaspers dizia que não viajava porque na casa dele estavam todas as coisas dignas de serem conhecidas. Minha loucura ainda não chegou perto da dele. Mas o fato é que há, na minha casa, uma infinidade de coisas interessantíssimas que eu deveria gastar tempo em conhecer. Tantos poemas e contos que não li, tantos livros de arte, tantos CDs que ainda não ouvi... E há também Pocinhos do Rio Verde, meu mosteiro... Esse é o destino dos pais. Há um momento em que os filhos batem as asas e se vão. Os pássaros sabem disso e não reclamam.  Muitos pais e muitos avós tratam de fazer lugares deliciosos para seus filhos e netos passarem os fins de semana! Na viagem para Pocinhos do Rio Verde passo sempre  defronte a um “Sítio do Vovô”. Imagino o Vovô e a Vovó sozinhos na varanda do sítio, esperando os filhos e os netos que não vêm. Eles estarão provavelmente em algum clube ou praia... Há um momento na vida em que o destino dos pais é esperar...Os apaixonados são aqueles que esperam...

Publicado no Correio Popular 13/02/2005

Fonte: blog Educar Sem Violência _ Cida Alves

MENTIRA, COVARDIA E EGOÍSMO


MENTIRA, COVARDIA E EGOÍSMO

A pessoa MENTE porque é COVARDE e esta covardia se deve ao fato de seu EGOÍSMO fazer com que ela de alguma forma, se beneficie desta mentira, sem se importar com o mal que fará aos outros.

O indivíduo mente, acredita na própria mentira, finge-se de ofendido se questionado e quando não tem saída, tenta justificar o injustificável, atacando, arrumando pretextos, se fazendo de vítima ou mentindo mais ainda. 
Isso se chama DISSIMULAÇÃO, MALDADE E FALTA DE CARÁTER !!!!!
Os que agem desta forma, são justamente os que mais julgam o comportamento dos outros, esquecendo-se do seu próprio.

Não estamos falando da "mentirinha" usada para surpreender alguém ou para descontrair. Falamos da mentira que destroi, humilha e engana buscando vantagem, encobrindo a covardia ou  falta de caráter. Os mentirosos de plantão, que se julgam ótimos atores e que normalmente se gabam disso, constumam falar muito de "mentiras construtivas" ou "mentiras necessárias" para justificar seus atos. Não se esqueçam de que existe uma linha tênue separando o "necessário" daquilo que é CONVENIENTE.

Agnaldo Pila

Fonte: http://www.avt.com.br/mentira.htm

26 de out. de 2011

STJ autoriza casamento entre pessoas do mesmo sexo


STJ autoriza casamento entre pessoas do mesmo sexo


Decisão foi comemorada por casais homossexuais, mas gerou dúvidas para quem não domina os termos do Judiciário.

A decisão do Superior Tribunal de Justiça no início da noite desta terça-feira (25), de permitir o casamento de pessoas do mesmo sexo, foi motivo de comemoração de muitos casais homossexuais. Mas, para quem não domina os termos usados no Judiciário, o significado prático do voto dos ministros não ficou muito claro. O Jornal Nacional foi esclarecer a questão.
Já são cinco anos juntos, muitas histórias e muitos planos, inclusive de se casar. “O casamento é a prova da intenção dos dois de, de repente, formar uma família, adotar uma criança e construir um futuro”, diz o funcionário público Rafael Rodrigues.
Na terça-feira (25), o Superior Tribunal de Justiça autorizou, pela primeira vez, que um casal do mesmo sexo se case no papel, assim como os heterossexuais. Em maio, o Supremo Tribunal Federal já tinha reconhecido a união estável entre pessoas do mesmo sexo. E há diferenças entre as duas situações. Para começar, só casando no papel se muda o estado civil de solteiro para casado. A união estável não permite que um adote o sobrenome do outro, como ocorre no casamento. No caso de herança, o cônjuge casado tem direito a pelo menos 1/4 dos bens do outro, garantia que não existe na união estável. E só na união estável é possível excluir o parceiro da herança por meio de um testamento.
Com a decisão do STJ, surgiram muitas perguntas: isso vale para todos os casais gays que quiserem se casar? No vocabulário dos advogados, isso cria jurisprudência? Obriga todos os outros juízes a decidirem do mesmo jeito? A resposta é não. Qualquer outro casal que tiver o pedido negado no cartório também vai ter que recorrer à Justiça, sem a certeza de que vai ganhar. E se o caso chegar ao STJ de novo, uma outra turma de ministros pode tomar uma decisão diferente. Mas a decisão de terça-feira abre um precedente, ou seja, aumenta as chances teóricas de uma vitória na Justiça.
O advogado Romulo Sulz, especialista em direito de família, acostumado com a rotina dos tribunais, diz que na prática vai fazer diferença. “O casal gay vai poder trilhar o caminho do casamento agora, que está muito mais fácil”.

23 de out. de 2011



Milésima recomendação do blog Educar Sem Violência
 e por eu Jorge sousa, que gosto de ouvir Maysa.


Maysa 1


Em agradecimento à milésima recomendação do blog Educar Sem Violência envio a você, amig@ leit@r, duas belíssimas interpretações da inesquecível Maysa.


Maysa 2






En agradecimiento a la milésima recomendación del blog Educar Sin Violencia te envio, mi  amig@ lect@r, dos hermosas interpretaciones de la inolvidable cantante Maysa.



Interpretando a canção que foi consagrada por Édith Piaf “No me quitte pas”

Interpretando a canção do The Door “Light My Fire”


Fonte: Blog - Educar sem violência - Cida Alves



12 de out. de 2011

A menina e o pássaro encantado


A menina e o pássaro encantado


Rubem Alves - A Menina e o Passaro Encantado  copia

Ruben Alves
Era uma vez uma menina que tinha um pássaro como seu melhor amigo.
Ele era um pássaro diferente de todos os demais: era encantado.

Os pássaros comuns, se a porta da gaiola ficar aberta, vão-se embora para nunca mais voltar. Mas o pássaro da menina voava livre e vinha quando sentia saudades… As suas penas também eram diferentes. Mudavam de cor. Eram sempre pintadas pelas cores dos lugares estranhos e longínquos por onde voava. Certa vez voltou totalmente branco, cauda enorme de plumas fofas como o algodão…
— Menina, eu venho das montanhas frias e cobertas de neve, tudo maravilhosamente branco e puro, brilhando sob a luz da lua, nada se ouvindo a não ser o barulho do vento que faz estalar o gelo que cobre os galhos das árvores. Trouxe, nas minhas penas, um pouco do encanto que vi, como presente para ti…
E, assim, ele começava a cantar as canções e as histórias daquele mundo que a menina nunca vira. Até que ela adormecia, e sonhava que voava nas asas do pássaro.
Outra vez voltou vermelho como o fogo, penacho dourado na cabeça.
— Venho de uma terra queimada pela seca, terra quente e sem água, onde os grandes, os pequenos e os bichos sofrem a tristeza do sol que não se apaga. As minhas penas ficaram como aquele sol, e eu trago as canções tristes daqueles que gostariam de ouvir o barulho das cachoeiras e ver a beleza dos campos verdes.
E de novo começavam as histórias. A menina amava aquele pássaro e podia ouvi-lo sem parar, dia após dia. E o pássaro amava a menina, e por isto voltava sempre.
Mas chegava a hora da tristeza.
— Tenho de ir — dizia.
— Por favor, não vás. Fico tão triste. Terei saudades. E vou chorar…— E a menina fazia beicinho…
— Eu também terei saudades — dizia o pássaro. — Eu também vou chorar. Mas vou contar-te um segredo: as plantas precisam da água, nós precisamos do ar, os peixes precisam dos rios… E o meu encanto precisa da saudade. É aquela tristeza, na espera do regresso, que faz com que as minhas penas fiquem bonitas. Se eu não for, não haverá saudade. Eu deixarei de ser um pássaro encantado. E tu deixarás de me amar.
Assim, ele partiu. A menina, sozinha, chorava à noite de tristeza, imaginando se o pássaro voltaria. E foi numa dessas noites que ela teve uma ideia malvada: “Se eu o prender numa gaiola, ele nunca mais partirá. Será meu para sempre. Não mais terei saudades. E ficarei feliz…”
Com estes pensamentos, comprou uma linda gaiola, de prata, própria para um pássaro que se ama muito. E ficou à espera. Ele chegou finalmente, maravilhoso nas suas novas cores, com histórias diferentes para contar. Cansado da viagem, adormeceu. Foi então que a menina, cuidadosamente, para que ele não acordasse, o prendeu na gaiola, para que ele nunca mais a abandonasse. E adormeceu feliz.
Acordou de madrugada, com um gemido do pássaro…
— Ah! menina… O que é que fizeste? Quebrou-se o encanto. As minhas penas ficarão feias e eu esquecer-me-ei das histórias… Sem a saudade, o amor ir-se-á embora…
A menina não acreditou. Pensou que ele acabaria por se acostumar. Mas não foi isto que aconteceu. O tempo ia passando, e o pássaro ficando diferente. Caíram as plumas e o penacho. Os vermelhos, os verdes e os azuis das penas transformaram-se num cinzento triste. E veio o silêncio: deixou de cantar.
Também a menina se entristeceu. Não, aquele não era o pássaro que ela amava. E de noite ela chorava, pensando naquilo que havia feito ao seu amigo…
Até que não aguentou mais.
Abriu a porta da gaiola.
— Podes ir, pássaro. Volta quando quiseres…
— Obrigado, menina. Tenho de partir. E preciso de partir para que a saudade chegue e eu tenha vontade de voltar. Longe, na saudade, muitas coisas boas começam a crescer dentro de nós. Sempre que ficares com saudade, eu ficarei mais bonito. Sempre que eu ficar com saudade, tu ficarás mais bonita. E enfeitar-te-ás, para me esperar…
E partiu. Voou que voou, para lugares distantes. A menina contava os dias, e a cada dia que passava a saudade crescia.
— Que bom — pensava ela — o meu pássaro está a ficar encantado de novo…
E ela ia ao guarda-roupa, escolher os vestidos, e penteava os cabelos e colocava uma flor na jarra.
— Nunca se sabe. Pode ser que ele volte hoje…
Sem que ela se apercebesse, o mundo inteiro foi ficando encantado, como o pássaro. Porque ele deveria estar a voar de qualquer lado e de qualquer lado haveria de voltar. Ah!
Mundo maravilhoso, que guarda em algum lugar secreto o pássaro encantado que se ama…
E foi assim que ela, cada noite, ia para a cama, triste de saudade, mas feliz com o pensamento: “Quem sabe se ele voltará amanhã….”
E assim dormia e sonhava com a alegria do reencontro.
Comentário do autor:
Para o adulto que for ler esta história para uma criança:
Esta é uma história sobre a separação: quando duas pessoas que se amam têm de dizer adeus… Depois do adeus, fica aquele vazio imenso: a saudade. Tudo se enche com a presença de uma ausência.
Ah! Como seria bom se não houvesse despedidas…
Alguns chegam a pensar em trancar em gaiolas aqueles a quem amam. Para que sejam deles, para sempre… Para que não haja mais partidas…
Poucos sabem, entretanto, que é a saudade que torna encantadas as pessoas. A saudade faz crescer o desejo. E quando o desejo cresce, preparam-se os abraços.
Esta história, eu não a inventei.
Fiquei triste, vendo a tristeza de uma criança que chorava uma despedida… E a história simplesmente apareceu dentro de mim, quase pronta.
Para quê uma história? Quem não compreende pensa que é para divertir. Mas não é isso.
É que elas têm o poder de transfigurar o quotidiano.
Elas chamam as angústias pelos seus nomes e dizem o medo em canções. Com isto, angústias e medos ficam mais mansos.
Claro que são para crianças.
Especialmente aquelas que moram dentro de nós, e têm medo da solidão…
As mais belas histórias de Rubem Alves
Lisboa, Edições Asa, 2003

Fonte: Blog - Educar Sem violência - Cida Alves 

8 de out. de 2011

A criança chora e pais não veem – suicídio do garoto Davi Mota Nogueira



A criança chora e pais não veem – suicídio do garoto Davi Mota Nogueira

Artigo O Popular Caso Davi 006

ARTIGO
Como muitos brasileiros, eu sofri ao saber que uma criança de apenas 10 anos atirou com uma arma de fogo contra sua professora e em seguida se matou. É profundamente desalentador perceber que uma criança tão pequena carregava em seu coração tamanho ressentimento e desesperança.
Que mundo hostil apresentamos ao menino Davi Mota Nogueira para que ele não conseguisse depositar nenhuma esperança no dia de amanhã? Sob o impacto dessa tragédia, numa tentativa de aliviar a insuportável dor, nós adultos, tendemos a nos consolar com a idéia de que tudo foi uma fatalidade.
Em depoimento prestado a um programa de TV, o senhor Milton Nogueira, pai de Davi, afirmou que não se sentia culpado, argumentado que o ocorrido foi uma tragédia e que só lhe resta lamentar. Ainda que imbuída de compaixão pelo indescritível sofrimento deste pai, eu me sinto na obrigação de contestar essa afirmação.
A violência ocorrida na Escola Municipal Alcina Dantas (São Caetano/SP) – como qualquer forma de violência – poderia ter sido evitada. Diferente das catástrofes naturais, as violências são fruto de escolhas humanas, portanto, evitáveis em sua origem. Não podemos colocar uma pá nesta história, nos eximindo de nossa responsabilidade. Em honra à vida deste menino que, muito cedo, desistiu de sua vida, precisamos fazer um exercício de mea culpa, pois quando uma criança escolhe a morte algo muito errado estava ocorrendo com ela. Em um gesto de profunda humildade, autocrítica e reflexão, precisamos refazer os nossos caminhos e descobrir onde estamos fracassando como humanidade.
Para Ronald Laing, "cada vez que nasce uma criança há uma possibilidade de adiamento. Cada criança é um novo ser, um profeta em potencial, um novo príncipe espiritual, uma nova centelha de luz que se precipita na escuridão. Quem somos nós para decidir que não há mais esperança?". Ciente da verdade proferida por Laing, acredito que cada vez que humilhamos, ferimos e matamos uma criança, estamos de fato usurpando da humanidade a esperança.
Para as políticas públicas de saúde as violências são evitáveis. A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera que as violências possuem múltiplas causas e são todas evitáveis. Em sintonia com esse entendimento, acredito que múltiplos fatores contribuíram para o trágico desfecho na Escola de São Caetano. No entanto, destacarei nesse artigo apenas dois aspectos que envolvem situações de violência na escola, por considerá-los importantes fatores de riscos à saúde e a vida de crianças e jovens: o fácil acesso à arma de fogo e à aceitação social das formas violentas de lidar com conflitos e diferenças.
Artigo O Popular Caso Davi 005
ARMAS DE FOGO
De acordo Ronaldo Cunha Lima, ex-governador da Paraíba, a presença da arma de fogo altera a natureza da violência, tornando-a letal, pois o porte de armas transforma conflitos banais em verdadeiras tragédias. Nesse sentido, levar uma arma de fogo para casa representa colocar em risco permanente a vida de crianças e adolescentes. Para Rodrigo Pimentel, especialista em segurança, não existe lugar seguro para esconder arma em casa.
O Brasil, 3% da população mundial, é responsável por 8% das mortes por arma de fogo no mundo. 17,5 milhões é o número estimado de armas de fogo em circulação no Brasil, sendo que apenas 10% dessas armas pertencem ao Estado (forças armadas e polícias). O restante, ou seja, 90%, estão em mãos civis. O Brasil é o país onde mais se mata com arma de fogo em todo o mundo. São mais de 38.000 mortos todos os anos. Os dados do Sistema Nacional de Mortalidade evidenciam que 38,8% das causas de morte dos jovens brasileiros (15 a 24 anos) são decorrentes de armas de fogo.
De acordo com a AACD – Associação de Assistência à Criança com Deficiência, 40,8% dos pacientes com lesão medular que procuram seus centros de reabilitação foram vítimas de armas de fogo. Esses pacientes se tornaram tetraplégicos ou paraplégicos. Mais de 83% dos pacientes avaliados pela AACD eram homens, sendo que 61% das lesões medulares por armas pertenciam ao grupo de pacientes de 12 a 18 anos.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o valor das vendas de arma de fogo no país, em 2003, alcançou a cifra de R$ 344 milhões. Esse foi o movimento financeiro no mercado interno. Apesar de alto, os principais lucros alcançados pelos fabricantes de arma advêm das exportações. Relatório anual sobre transferência de armas divulgado em agosto de 2005 pelo Departamento de Pesquisa do Congresso norte-americano revelou que os dez maiores exportadores de armas do mundo venderam o correspondente a US$ 22 bilhões, em 2004.
As cifras citadas acima mostram porque é crucial para o mercado de armas construir uma mentalidade social que tenha dentre os seus fundamentos a compreensão de que os conflitos, as diferenças interpessoais ou grupais só podem ser resolvidos por meio da violência e a edificação de um ideal de sucesso masculino centrado na idéia de dominação, de supremacia sobre o outro.
Artigo O Popular Caso Davi 007
TOLERÂNCIA À VIOLÊNCIA
Acredito que um dos motores que faz a roda do ciclo vicioso da violência girar é o consentimento dado por nossa sociedade às formas violentas de se resolverem as diferenças, os conflitos. O uso de violências físicas na educação e no cuidado de crianças e adolescentes tem perpetuado o ciclo vicioso de violência dentro da vida familiar. Os pais batem nos filhos; os filhos batem em seus irmãos e colegas de escola; depois, filhos e colegas batem em suas namoradas, parceiras e esposas, que por fim, também batem em seus filhos. Semeamos ventos e colhemos tempestades!
Dentre os prejuízos causados pelo uso de violências na educação e no cuidado de crianças e adolescentes, estão o desenvolvimento de uma frieza, de uma indiferença por parte dos adultos em relação à dor e ao sofrimento dos mais jovens. O principal fator que leva a aprovação do adulto de uma determinada forma de violência física ou psicológica é tê-la sofrido na infância. O índice de aprovação do uso de violências na educação de crianças e adolescentes é de duas a três vezes maior entre aqueles que as sofreram na infância.
Os indivíduos que sofreram violências físicas rigorosas na infância tendem a crescer acreditando que suas experiências foram normais e não abusivas. Portanto, as primeiras experiências pessoais de violência podem aumentar a tolerância na hora de definir um ato como violento ou não. A tolerância em relação às violências e à crença de que o sofrimento fortalece têm promovido uma educação familiar e escolar que desvaloriza os sentimentos das crianças. A socialização pela violência tem deformado as crianças e gerado adultos com uma limitada capacidade de empatia com o outro. Nas relações interpessoais, em especial com as crianças, esse adultos não ultrapassam a margem das superficialidades, das aparências.
Para o filósofo Theodor Adorno uma educação que valoriza o "ser duro" com os mais jovens estimula o desenvolvimento de uma cultura de indiferença em relação à dor em geral. Suportar a dor em si como um ideal de força e poder, leva ao entendimento de que é necessário perpetrar a dor no outro como um meio de fortalecimento dos aprendizes. As pessoas que são severas consigo mesmo, em nome de um suposto fortalecimento pessoal, sentem-se no direito de serem severos também com os outros, vingando-se no próximo as dores que teve que suportar calado em seu passado.
Sem um congelamento afetivo, sem uma frieza, sem uma oceânica indiferença em relação ao sofrimento e a dor do outro a tragédia do holocausto não teria sido possível. A indiferença à dor em si e nos outros promove a naturalização da violência e o desenvolvimento de mentalidades autoritárias, como foi o caso do fascismo. Portanto, a identificação com o outro, com suas dores e amarguras, é um dos elementos cruciais para que as barbáries sejam evitadas.
Érico Veríssimo diz que “o oposto do amor não é ódio, mas a indiferença”. Depois de 14 anos atendendo pessoas em situações de violência, tenho que concordar com a assertiva de Veríssimo. Todas as pessoas que atendi em sofrimento mental por vivenciarem alguma forma de violência buscaram ajuda. Todas tentaram comunicar a sua dor a alguém que confiava. Mesmo as crianças muito pequenas deram sinais de seu sofrimento. Mas somente uma pequena parcela não recebeu a indiferença como resposta a seu pedido de ajuda. Por expressamos um estado de entorpecimento, de frieza em relação à dor do outro, em especial das pessoas que estão mais próximo de nós, não temos protegido os que sofrem de seus próprios desatinos.
A frase “a criança chora e pais não vê”, pichada no muro da Escola de São Caetano, delata a nossa incapacidade de enxergar nas crianças suas aflições e sofrimentos.Embora fosse vista por muitos, como "um menino calmo, bem-arrumado, educado e branco”, ele estava em sofrimento. Ele deu pistas desse sofrimento duas semanas antes da tragédia, ao fazer a seguinte pergunta ao seu irmão mais velho: “se eu morrer você vai ficar triste?” No dia da tragédia ele contou para um colega que tinha uma arma e ia matar a professora Rose. Esse colega não levou o caso adiante, pois achou que a fala de Davi era apenas uma brincadeira. Esses dois diálogos são exemplos claros de oportunidades perdidas. Quantas outras chances foram oferecidas por Davi para que a violência contra a professora fosse evitada e sua vida salva? Bem, agora é tarde demais.
A dor, o medo e a angustia do menino Davi não foram ouvidas, quanto menos legitimadas. Por não ouvir seus recatados pedidos de ajuda, não pudemos protegê-lo de seu desatino. As pessoas que atendi ao longo de minha prática profissional me ensinaram muito sobre os seus sentimentos em relação à violência sofrida. Elas sentem raiva e ódio do autor da violência. Mas também sentem, em demasia, a magoa – uma mágoa profunda pela pessoa que elas depositaram confiança e amor, mas que não agiram no sentido de protegê-las da violência ou interditá-las. Ou seja, se existe alguém que fere o outro, existem sempre muitos que não impediram que essa ferida fosse aberta. Se queremos ajudar as vítimas, só tem um caminho: não ser também cúmplices das violências, não negligenciar o sofrimento do outro.
Por que pais e educadores não conseguem perceber sofrimento e dificuldades nas crianças “silenciosas” demais? Será que esse silêncio, essa calma aparente definida por professores e pais de colegas de Davi eram na verdade um estado de profundo desligamento da realidade que o fazia sofrer?
É crucial que pais e educadores saibam que um dos importantes sinais de alerta para uma dificuldade no plano relacional e afetivo é o isolamento, o afastamento silencioso e progressivo do convívio com o outro. As vulnerabilidades e os sinais de alerta para o diagnóstico de situações de violências contra crianças e adolescentes precisam ser partilhado com pais e professores.
Todavia, mais importante que receber informações que ajudem na identificação de situações de risco, pais e professores precisam ter como prioridade educativa a construção de uma proximidade afetiva com seus filhos e alunos. Eles necessitam de um espaço para o diálogo franco, onde possam partilhar com os adultos seus dilemas, vergonhas, angustias e dores. Pois como afirma Charles Chaplin no discurso final do filme O Grande Ditador: “mais do que de máquinas, precisamos de humanidade, mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido."
Cida Alves
Fonte: Artigo publicado no caderno Magazine do jornal “O Popular”,  em 2 de outubro de 2011 – Goiânia (GO).


Fonte: Blog Educar Sem Violência - Cida Alves - 
http://toleranciaecontentamento.blogspot.com

2 de out. de 2011

UMA REFLEXÃO SOBRE A SOLIDÃO


UMA REFLEXÃO SOBRE A SOLIDÃO
INTRODUÇÃO
Solidão - etimologia do termo: Só, desacompanhado, solitário, único, próprio. Do latim solus. Solipsismo – doutrina filosófica segundo a qual a única realidade do mundo é o próprio eu.(1)


A solidão é algo inerente à condição humana, é constitutivo do ser. Surge com o nascimento e se esvai com a morte. Isto para aqueles que vêm a morte como o fim da existência. Ser só é diferente de estar sozinho. Todos somos sós. Estar sozinho é a situação onde o outro não está presente. Ser só é semelhante a ser único. Eu sou um, ele é um, você é um. A solidão criativa não traz sofrimento, ela é uma opção de contato com este nosso aspecto constitutivo. Neste contexto é a expressão da nossa unicidade. Segundo Schopenhauer, "solidão é a sorte de todos os espíritos excepcionais".
Sofremos com a solidão porque ela nos demonstra o quanto necessitamos do outro. Temos que aceitar o ser humano como um ser social, que precisa do grupo para sobreviver. Ela, a solidão, está sempre aí, acontece que por vezes os contextos em que vivemos evidenciam a sua existência. Os fins de tarde e os domingos por exemplo, são momentos em que o mundo ao nosso redor pára. A máquina do mundo interrompe suas atividades e é o momento do voltar-se para a vida pessoal. É o momento do esvaziamento operacional que ocupa o dia a dia, é o momento do desentulho material, já que o meio da semana, preenchido com o trabalho, desocupa a pessoa dela mesma. É o momento de contato com a solidão, momentos em que entra-se em contato com temas difíceis da existência.
A solidão pode estar associada a vários aspectos e pode ser abordada segundo diversos focos: a real ausência do outro, o suicídio, a velhice, a vida religiosa e a solidão associada ao tédio. E é sobre esta última que gostaria de dissertar. E justifico minha escolha na constatação de que o tédio é a dor de ver a existência passar e não estar vivendo todas as possibilidades que nos são oferecidas pela vida. Tem a ver com a falta de perspectiva de evolução, com a vivência de uma vida sem sentido. Tem a ver com a concepção do tempo e da angústia. É uma solidão que expressa a falta de cuidado, o descaso em relação à própria vida. Sua contrapartida, a solidão criativa, envolve a formulação de um projeto, depende de um pelo que viver. A solidão criativa é uma atitude, é a definição de uma postura diante da conscientização da realidade da vida. A intenção deste texto é refletir sobre estes aspectos do tema solidão.
A SOLIDÃO, O TÉDIO, O TEMPO, A ANGÚSTIA E O SENTIDO...
Existe uma inquietação que é inerente ao ser humano, que se expressa por um impulso natural na busca de sentido e progresso. Existe porém, o tédio, que se configura na paralisação do ser diante da impossibilidade da realização de suas aspirações. Acontece quando a pessoa deixa de viver a realidade tal como ela é, uma vez que esta não se configura da maneira como gostaria que fosse. Deixa de trilhar os caminhos possíveis. A vida torna-se impossível e portanto vazia.
O preenchimento da vida tem a ver com a noção de tempo e temporalidade. A questão que se faz presente na colocação sobre este assunto é: O que é o tempo? Vejamos o que Husserl e Heidegger pensam sobre o tema.
Husserl desenvolve um esquema temporal, onde o movimento da consciência é descrito em três momentos distintos: a impressão originária, a retenção e a protenção. O primeiro momento caracteriza o agora, o presente. O segundo, a maneira pela qual o presente é retido, já se transformando em passado. E o terceiro momento, refere-se ao horizonte de orientação quanto ao futuro. Esta forma de associação envolvendo estes três momentos permite a percepção da gestalt.
A relação entre tempo e ser foi postulada por Heidegger e é onde a dualidade essência - existência foi superada. O conceito de Dasein ou ser-aí, já se refere ao tempo na existência humana. Para ele, o tempo não é uma coisa, está na consciência, coexiste com o passado e o futuro. O conceito de temporalidade se desenvolve em Heidegger a partir de articulações entre o conceito de Dasein e Sorge (cuidado), onde temporalidade é o sentido do cuidado. Este cuidado tem a ver com as possibilidades, o "por-vir" da existência. O Dasein é assim concebido numa conjugação entre o "ser-sido", o "estar em situação" e o "por-vir". Ou: passado, presente e futuro. Ou ainda: O nada/o não-ser, o tempo/o cuidado e novamente o nada/não-ser. Heidegger apresenta uma fórmula para a compreensão da noção de cuidado, descrita em três momentos: 1º- A antecipação - ser à frente de si, projetar-se; 2º- O estado de abandono - já em um mundo, presente; 3º- O "estado de resolução" - como ser junto de, em relação com o outro. Este cuidado é o "estado de resolução", é o que resulta, é a maneira como o ser se assume, se projeta, programa sua existência em relação ao sentimento de incompletude. É o se saber como ser para a morte. É a maneira como o ser se coloca diante de si mesmo, do outro e do social que envolve a questão da temporalidade.
Tanto para Husserl quanto para Heidegger, o futuro apresenta uma relevância significativa na existência humana já que se concretiza numa dimensão originária, que impulsiona, que oferece sentido e intenção à existência e sem o qual não existiria consciência nem Dasein. O futuro é dinâmico e se refere àquilo que está por trás do visível.
Compreende-se desta forma a temporalidade como a própria existência e não como um atributo desta. Tempo e sujeito têm significações que se fundem e se processam simultaneamente. Esta concepção nos coloca frente à frente com nossa própria existência, nos associando naturalmente à experiência do tédio, da angústia, da liberdade e da busca de sentido.
Viktor Frankl nos falando sobre esta questão do futuro, diz que não importa o que temos a esperar da vida, mas o que a vida espera de nós. É a vida, neste contexto que indaga de nós o que temos a oferecê-la e daí a necessidade realização e de estabelecer para nós mesmos algo ou alguém que nos espere no futuro. Neste contexto, segundo Friedrich Nietzsche, quem tem um por que viver, suporta qualquer como. A falta disso estabelece um vazio existencial que se configura no tédio e na angústia.
A noção de angústia se faz presente no ponto central da concepção de existência para Heidegger. Os conceitos de existência, tempo e angústia se equivalem. A angústia se localiza na capacidade do ser, ou a falta dela, de lidar com o aspecto criador e destruidor do tempo. A angústia, para Heidegger, também está na "condição original" do ser. A angústia é uma característica ontológica, enraizada na existência. Representa uma ameaça aos alicerces desta existência, é a experiência da ameaça, da iminência do não-ser. É o estado subjetivo da conscientização por parte do sujeito de que sua experiência pode ser destruída, de que ele pode perder o próprio ser e o mundo.
A angústia ocorre no momento em que uma possibilidade ou potencialidade desponta em relação à probabilidade do ser preencher sua existência. Essa possibilidade implica o ser no contato com a destruição de si, enquanto ser-no-mundo. Leva ao anúncio do perigo. A angústia é assim, a expressão imediata do "cuidado" do homem pelo seu ser. É adiantar-se à morte, é escolher a si mesmo, ir em direção ao futuro, optando pela vivência no cotidiano, sabendo que a morte estará presente e que ela é parte essencial da vida.
Paul Tilich define a angústia como o estado do ser em que se tem consciência de seu possível não-ser. É a angústia de finitude, quem está na angústia está em desamparo. Ele define três tipos de angústia: angústia do destino e da morte, angústia de vacuidade e insignificação e angústia de culpa e condenação.
Já vimos que existe no ser uma recusa contra o tempo, ao mesmo tempo em que ele pode ser tomado como um aliado. Nesta luta, o homem quer se fazer reconhecer por um outro através de uma obra própria, que permanecerá e o salvará da solidão e da morte. O desejo realizado no trabalho é um desejo que nasce de um projeto e se realiza no tempo, movido pela promessa, real ou imaginária, de reconhecimento. A dor do tempo é o receio de que ele passe, assim como o ser, sem ter deixado sua marca no mundo. O desejo de reconhecimento garantiria a imortalidade ou sobrevivência simbólica. A ameaça não é da ausência do outro ou da morte em si, mas da falta de significação, da perda da perspectiva de realização pessoal. Se não houvesse o desejo de preenchimento do que falta e de reconhecimento, e se não houvesse a própria falta, não teríamos mais em que investir. Na perspectiva temporal a vida não teria mais sentido. Sentido significando uma direção no tempo, um projeto.
A solidão neste contexto surge como um espaço de vida, um local onde é possível formular uma maneira de conceber a vida e de vivê-la. Ela é um dos tons da existência e expressa o sentido colocado pelo ser para existir. A atitude de dimensionar-se no tempo demanda um posicionamento diante da vida que se vive, demanda administração.
Vejamos que administrar é gerir situações tornadas difíceis pelos nossos excessos (desusos ou abusos das possibilidades). É diferente de solucionar. Solução é algo perene, fixo e falso a nível do humano. É usar todos os recursos disponíveis, num exercício diário, natural e fluido. É a capacidade de intermediar recursos nos três níveis da nossa estrutura (o corpo e as sensações, a mente e as emoções, o espírito e os sentimentos), conduzindo-os para o objetivo, meta ou realização. O desejo constante de aprender pela certeza de que a toda dúvida corresponde uma pergunta, que por sua vez possui um par que é a resposta, marca uma atitude pró ativa perante a própria existência. Para bem administrar é preciso possuir auto referência. Vale dizer que a referência é um indicador confiável e relativo. Então, referência é aquilo que parte de nós, é relativa pois serve para mim mas não serve para o outro e é confiável porque se baseia na minha experiência - já experimentei e sei qual é o resultado. É ainda preciso fazer por merecer e por merecer-se, acionando a causa e os efeitos positivos (uma vez que todo ato e não ato tem conseqüências, por exemplo a ação de falar e a ação de silenciar), saindo da teoria e passando à prática testando os conhecimentos (criar a auto referência), fazendo uso do próprio potencial (tomar posse do que já é seu, ter domínio de si, ser dono de si), aceitando a realidade tal qual é e não como gostaria que ela fosse (a realidade é o espaço de realização), transformando culpas em responsabilidades, remorsos em arrependimentos e erros em acertos. Administrar enfim é isto: começar a se situar diante da própria verdade.
A solidão situada desta forma passa a ser um caminho de expressão individual, como uma porta que dá passagem ao existir. A solidão administrada é a solidão utilizada e por isto criativa.
A solidão criativa implica na opção pelo estar só. Esta atitude por si só pode promover um afastamento da solidão desesperadora. A produção criativa está associada ao isolamento. O estar só em momentos de criação enriquece a alma no sentido de permitir uma introspecção até os seus limites máximos. É claro que unicamente o fato de se optar pelo isolamento, não garante o aproveitamento criativo desta solidão, mas fica nítido que "as realizações obtidas nas situações de isolamento mostram que a solidão vivida doce e suavemente traz indícios da própria grandeza da alma humana. Igualmente é na solidão que a própria introspecção adquire contornos de espiritualidade praticamente impossível de ser alcançada noutras circunstâncias."... "A solidão apresenta facetas de encantamento inigualável. Ao mesmo tempo que se apresenta desesperadora, por outro lado nota-se a própria essência da vida existindo somente a partir da solidão" (2).
CONCLUSÃO
Percebe-se que a solidão descrita do ponto de vista teórico é algo encantador e convidativo à alma humana. Chega a representar um porto seguro ou um local onde o ser sente seguro e confortável, um refúgio a um espaço terno e familiar: dentro de si mesmo. Do ponto de vista prático entretanto, percebe-se a solidão como sendo um dos aspectos torturantes da existência. No contexto prático ela surge associada à angústia.
Compreendendo a angústia como a presença de uma possibilidade, percebemos a vinculação do conceito de angústia ao de liberdade. Há quem renuncie à liberdade para livrar-se da angústia. Quando a liberdade, as possibilidades e a angústia são rejeitadas, se faz presente a culpa, onde o indivíduo está em débito com aquilo que é dado em sua origem. A culpa também é uma característica ontológica e um modo de ser do Dasein. Esta diferencia-se da culpa e da angústia neurótica ou mórbida, que acarretam formação de sintomas. A angústia existencial não pode ser curada, pode ser assumida pelo que Tilich denomina a "coragem de ser". A reflexão sobre a angústia leva ainda à reflexão sobre o desespero, que é a incapacidade do ser se posicionar diante do não-ser.
Enfim, a solidão para o senso comum, para a sociedade, é vivida como algo desesperador e nos leva a reflexões ainda mais extensas sobre o tema. Não é possível concluir o assunto, mas refletir sobre alguns aspectos que lhe são pertinentes e esta foi a proposta do presente texto. O que se ressalta no estudo sobre a solidão é que ela marca nossa excepcionalidade enquanto ser, marca nossa unicidade e vivê-la de forma criativa ou não, depende de uma opção: escolher a si mesmo. Não é mágica, não é mistério, é um processo lento e gradual de nascimento para a própria existência. É um processo de mudança que precisa ser trilhado pela humanidade passo a passo, respeitando-se o primeiro passo que acredito ser a intenção – ação interna – de escolha de si mesmo. Assim vejo o começo e assim concluo: "Todo início é sagrado porque possui as energias do começo. Todos os passos em direção à mudança começam do primeiro, o mais difícil. Quando uma pedra se parte não se pode determinar qual foi a martelada vitoriosa: se a primeira ou a centésima..."(3) Faço votos de que todos nós possamos iniciar um contato com a solidão da existência humana.

BIBLIOGRAFIA:
(1) CUNHA, Antônio Geraldo da - Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa - Ed. Nova Fronteira - Rio de Janeiro - 2ª Edição - 1986 .
(2) ANGERAMI – CAMON, Valdemar Augusto – "Solidão: a ausência do outro"- Ed. Pioneira – 2ª edição – São Paulo – 1992.
(3) Registros pessoais e textos diversos referenciados no repensar – Sistematização do Pensamento Crítico coordenado por ANDRADE, Alcione A. - Belo Horizonte - 1996/1997.
GARCIA, José Newton – "Considerações Sobre o Tempo na Filosofia" - Belo Horizonte – Maio 1995 – (mimeo)
FRANKL, Viktor E. – "Em Busca de Sentido"- Ed. Vozes – 7ª edição – Petrópolis - 1991.