28 de fev. de 2015

MÃE CONFESSA TER ESPANCADO O PRÓPRIO FILHO

Em depoimento à Polícia Civil, Jane confessou que bateu no filho, Adriano Henrique Jardim Ramos, de 5 anos, após ele ter defecado na roupa que vestia e na cama. Durante a agressão, ela teria usado um cinto e segurado o menino pelos braços e pescoço, deixando marcas em seu corpo, segundo a polícia.
Menino de 5 anos tem marcas de agressão por todo o corpo (Foto: Reprodução/EPTV)
Menino de 5 anos tem marcas de agressão por
todo o corpo (Foto: Reprodução/EPTV)
Segundo o delegado, os peritos encontraram manchas de sangue no chão e na os peritos encontraram manchas de sangue no chão e na parede do quarto da criança. No dia anterior, a polícia também apreendeu um cinto e uma vassoura quebrada, objetos supostamente usados na agressão.
Os peritos, no entanto, não encontraram nenhum indício de fezes no local. "Quanto às fezes, não encontramos nada que levasse a essa hipótese. Se ela [mãe]  agrediu essa criança de manhã, até a hora que a criança foi socorrida ela pode ter tido tempo de limpar o local. Mas não encontramos nada que evidenciasse fezes", diz.
O caso
Jane Aparecida Jardim foi presa na tarde de quinta-feira suspeita de espancar o filho de 5 anos. A agressão ocorreu porque a mãe teria se irritado com o menino, que defecou na roupa que vestia e na cama. Em depoimento, a mulher confessou que agrediu o menino com um cinto na manhã de quinta-feira e que depois pegou o garoto pelo pescoço e braços e o jogou na cama, quando a criança bateu a cabeça na lateral do móvel.

Ainda de acordo com o depoimento da mãe, o menino não chegou a desmaiar e se levantou. “Essa criança foi tomar banho, almoçou, foi dormir e não acordou mais”, disse o delegado Djalma Donizette Batista. “A mãe pediu socorro para uma vizinha da fazenda e vieram até Cristais Paulista”.
A criança foi levada para o Pronto-Socorro da cidade e foi transferida para a Santa Casa de Franca. Segundo a assessoria de imprensa do hospital, o menino deu entrada na unidade com traumatismo craniano e foi internado na UTI em estado grave. Após a internação, o hospital comunicou a delegacia de Franca, para investigar o caso.
Após interrogatório, a mãe foi presa em flagrante e encaminhada para a Cadeia do Guanabara. Ela foi indiciada por tentativa de homicídio qualificado e por motivo fútil. Segundo o delegado, a família da criança é investigada e há suspeita de espancamento anterior. Na noite de sexta, após ameaça de outras detentas, a mulher foi transferida para a Penitenciária Feminina de Tremembé.
Menino de 5 anos foi agredido pela mãe em Cristais Paulista, SP (Foto: Reprodução/EPTV)Menino de 5 anos foi agredido pela mãe em Cristais Paulista, SP (Foto: Reprodução/EPTV)Disponível em: http://g1.globo.com/sp/ribeirao-preto-franca/noticia/2015/02/apos-ameaca-de-detentas-suspeita-de-espancar-filho-e-transferida-de-prisao.html. Acesso em: 28 fev. 2015.

22 de fev. de 2015

Estado de Goiás lidera ranking de violações dos Direitos Humanos

Goiás lidera o ranking de tráfico de pessoas no Brasil

 

Com a capital entre as mais violentas do mundo, Goiás ocupa a 7ª posição em mortes de adolescentes.

 
Dados da 5ª edição do Índice de Homicídios na Adolescência (IHA), divulgado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), nesta quarta-feira (28), mostram que Goiás ficou na 7ª posição do ranking, que reúne dados de 26 estados brasileiros e do Distrito Federal. Segundo o estudo, em 2012, o estado teve índice de 4,82 mortes para cada mil adolescentes.

O IHA estima o risco de adolescentes de 12 anos a 19 anos serem assassinados antes de completarem seu 19º aniversário nos municípios brasileiros com mais de 100 mil habitantes. No levantamento sobre as capitais, Goiânia aparece na 10ª posição, com IHA de 3,84.
Ainda de acordo com o estudo, três cidades localizadas no Entorno do Distrito Federal registram incidência elevada de violência letal contra menores, com IHA acima de 6. São elas:Águas Lindas de GoiásValparaíso de Goiás e Luziânia.
 
Outras cidades, como Aparecida de Goiânia, na Região Metropolitana da capital; Rio Verde, no sudoeste do estado e Formosa, também no Entorno do DF, figuram com índices na faixa do IHA entre 4 e 6.

Professora de sociologia da Universidade Federal de Goiás (UFG) e do Instituto de Pós-Graduação de Goiânia (Ipog), Michele Cunha Franco, cuja tese de doutorado estudou as causas de homicídios, afirmou ao G1 que os dados mostram que as "mortes violentas contra adolescentes no Brasil são consideradas epidêmicas e alarmantes".

"Se analisarmos os dados, vemos que as cidades goianas que registraram a maior incidência de mortes são a capital e as cidades do Entorno do Distrito Federal, onde houve um crescimento populacional desordenado e os serviços básicos, que devem ser prestados pelas administrações públicas, como saúde, educação e emprego, não acompanharam o mesmo ritmo. Sendo assim, a população fica sem oportunidades de uma vida melhor e isso reflete diretamente no crescimento dos índices de criminalidade", afirmou.
 
Segundo a socióloga, a questão da violência entre adolescentes está diretamente ligada à falta de políticas públicas para a faixa etária. "Essa questão acaba criando uma situação explosiva, já que sem uma boa educação, condições dignas de saúde e de trabalho, os jovens são mais vulneráveis a buscar caminhos de enriquecimento mais rápido, como o tráfico de drogas, por exemplo. No entanto, nesta cultura, os conflitos são resolvidos por meio do uso da violência. Isso faz com que o número de adolescentes mortos seja cada vez maior, não apenas por aqui, mas em todo o país e em todos aqueles que estão em desenvolvimento".

Michele ressaltou, ainda, que o tráfico de drogas não pode ser apontado como o único causador de mortes de adolescentes."No meu estudo de doutorado, constantei que muitos jovens buscam caminhos violentos para resolver seus conflitos e para se impor perante a sociedade. Isso exatamente porque eles não tiveram a criação de valores que prezem por uma sociedade justa. Neste ponto, a educação e as políticas públicas, englobando saúde, emprego, etc, são fundamentais para reverter esse quadro. Como diz o sociólogo José de Souza Martins, 'não podemos colher aquilo que a gente não plantou'", concluiu.
 
Em nota a Secretaria da Segurança Pública e Administração Penitenciária de Goiás (SSP-GO) afirma que o estudo traz metodologias que aproximam os números apresentados à realidade vivenciada pelo estado. Entretanto, faz a ressalva de que um “fator que pode gerar distorção é que o índice calcula taxas apenas dos municípios com mais de 100 mil habitantes e as projeta para todo o estado”.
Ainda segundo o comunicado, a SSP concorda com o estudo e também com a socióloga, afirmando que “o combate à criminalidade, em especial em relação à populações mais vulneráveis, como jovens e negros de baixa renda, carece de política públicas e sociais em várias áreas, como educação, saúde e emprego”.

A secretaria reconhece que a situação da criminalidade e da violência preocupa todo o país e que tem implantado políticas públicas consistentes ao longo dos últimos anos, como a ampliação em cerca de 30% nos efetivos das polícias e construção de novas unidades prisionais. Além disso, estão sendo feitos investimentos em inteligência, aquisição de armamento e renovação constante da frota de viaturas.

Por fim, a SSP afirma que esses esforços estão apresentando resultados, com a redução de 1,67% na taxa de homicídios no estado. Em Goiânia, houve estabilização no último ano. Já no Entorno do Distrito Federal, há dois anos consecutivos ocorrem significativa queda na taxa de assassinatos por 100 mil habitantes.

Dados do país
De acordo com o IHA, Alagoas é o estado brasileiro que registrou o maior índice de mortes violentas de adolescentes em 2012: 8,82. Em seguida aparecem Bahia (8,59) e Ceará (7,74). Entre as capitais, o ranking é liderado por Fortaleza, com IHA de 9,92, seguida por Maceió (9,37), Salvador (8,32) e João Pessoa (6,49).
 
Entre as regiões, a Região Nordeste lidera o ranking com 5,95. Em seguida, vêm a Região Centro-Oeste, com IHA de 3,74 e 3.373 homicídios esperados; Região Norte, com 3,52 e 3.908 e a Região Sudeste, que embora tenha um índice de 2,25, espera 14.323 assassinatos de adolescentes.

Em suas conclusões, o estudo aponta um crescimento no número de homicídios de adolescentes de 12 a 18 anos de idade no Brasil e apresenta um ranking das cidades brasileiras com mais de 200 mil habitantes onde este índice se encontra mais elevado.
O levantamento foi preparado pela SDH/PR, pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Observatório de Favelas e Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (LAV-UERJ).

Ao divulgar os números, em coletiva realizada no Rio de Janeiro, a ministra Ideli Salvatti anunciou a criação de um grupo de trabalho interministerial que será responsável por elaborar o Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Letal de Crianças e Adolescentes. O objetivo, segundo a ministra, é definir estratégias e políticas públicas para reduzir a incidência de homicídios entre a população jovem do Brasil.

"Se nada for feito, nós teremos as 42 mil mortes. A proposta do pacto é uma urgência. É uma ação do governo federal na construção de um plano nacional para prevenir as mortes de adolescentes e acabar com esse ciclo de violência", afirmou a ministra, destacando que é fundamental a integração dos poderes Judiciário, Legislativo e Executivo para a realização desse plano.
 
Fontes: Blog Opinando e G1 Goiás
Colaboração: Malú Moura, psicóloga e mestre em psicologia social pela PUC Goiás, em dezembro de 2014.In: Educar sem Violência. Cida Alves. Acesso em: 22 fev. 2015.

17 de fev. de 2015

Educação sexual: precisamos falar sobre Romeo..

...Iana, Roberta e Emilson. A escola trata com preconceito quem desafia as normas de papéis masculinos e femininos. A seguir, uma discussão sobre sexo, sexualidade e gênero

Wellington Soares (wellington.soares@fvc.org.br)

Romeo foi banido do contraturno por preferir vestidos às roupas masculinas. Foto:Newsteam/SWNS Group / Grosby GroupRomeo foi banido do contraturno por preferir vestidos às roupas masculinas. Foto:Newsteam/SWNS Group / Grosby Group"

O pequeno Romeo Clarke, da foto acima, tem 5 anos e adora usar seus mais de 100 vestidos para as atividades do dia a dia. "Eles são fofos, bonitos e têm muito brilho", explicou ao tabloide britânico Daily Mirror. Clarke virou notícia em maio do ano passado. O projeto de contraturno que ele frequentava na cidade de Rugby, no Reino Unido, considerou as roupas impróprias. O menino ficou afastado até que decidisse - palavras da instituição - "se vestir de acordo com seu gênero". 

O caso de Clarke não é único. Situações em que crianças e jovens que descumprem as regras socialmente aceitas sobre ser homem ou mulher - seja de forma intencional ou por não dominá-las - fazem parte da rotina escolar. Quando eclode o machismo, a homofobia ou o preconceito aos transgêneros, pais e professores agem rápido para pôr panos quentes e, sempre que possível, fazer de conta que nada ocorreu. "A escola, que deveria abraçar as diferenças, pode ser o ambiente mais opressivo que existe", defende Iana Mallmann, 18 anos, ativista contra a homofobia. "Muitos ainda abandonam as salas de aula por não se sentirem bem nesse espaço", completa Beto de Jesus, secretário para América Latina e Caribe da Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, pessoas Trans e Intersex (Ilga, na sigla em inglês).

Paradoxalmente, quem tem ensinado a escola a agir no respeito à diversidade são os próprios estudantes. "Na contemporaneidade, multiplicaram-se os grupos, os sujeitos e os movimentos, as maneiras de se identificar com gêneros e de viver a sexualidade. Não há apenas uma forma de ser, mas tantas quantas são os seres humanos", afirma Guacira Lopes Louro, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e uma das principais referências na área de estudos de gênero. É o que mostram os corajosos depoimentos de IanaRoberta Emilson. Eles nos convidam a uma reflexão sobre nossas próprias ideias de masculino e feminino, hétero, homo ou bi, coisas de menino e coisas de menina. Precisamos falar sobre sexo, sexualidade e, sobretudo, gênero.

Três ideias, três conceitos 
Vale desfazer a confusão entre esses conceitos. O sexo é definido biologicamente. Nascemos machos ou fêmeas, de acordo com a informação genética levada pelo espermatozoide ao óvulo. Já a sexualidade está relacionada às pessoas por quem nos sentimos atraídos. E o gênero está ligado a características atribuidas socialmente a cada sexo.

O que se sabe hoje em dia é que o dualismo heterossexual/homossexual não é capaz de abarcar as formas de desejo humanas. Os estudos sobre o tema dizem que a orientação sexual se distribui num amplo espectro entre esses dois polos. É provável que a definição sexual se dê pela interação entre fatores biológicos (predisposição genética, níveis hormonais) e ambientais (experiências ao longo da vida). Mas não há certezas. O guia Sexual Orientation, Homossexuality and Bissexuality, da Associação Americana de Psicologia, resume: "Não foram feitas, por enquanto, descobertas conclusivas sobre a determinação da sexualidade por qualquer fator em particular. O tempo de emergência, reconhecimento e expressão da orientação sexual varia entre os indivíduos". 

É surpreendente notar como determinados comportamentos são mais aceitos em uma fase da história e reprimidos na seguinte. Os moradores da Grécia Antiga, por exemplo, se relacionavam com pessoas de ambos os sexos. Já na Idade Média, comportamentos que se desviassem da norma socialmente definida eram punidos com a fogueira. Hoje, não há mais chamas, mas o sofrimento assume a forma de piadas, humilhações, agressões físicas e psicológicas, exclusão. Por que ainda agimos assim? Como se construiu uma sociedade que se choca e entra em pânico ao ver um menino se vestindo de menina?

A resposta está no conceito de gênero. Ele diz respeito ao que se atribui como características típicas dos sexos masculino e feminino. Meninas precisam sentar-se de pernas fechadas, meninos podem abri-las. Meninos não podem chorar, meninas são mais sensíveis. Meninos gostam de azul, meninas preferem o rosa. Enfim, uma série de aspectos que, com o tempo, ganham força e se convertem em regras. Por quê?

Porque cada um de nós interioriza as estruturas do universo social e transforma-as em jeitos de ver o mundo que orientam nossas condutas. Diversas instâncias atuam para que essas normas sejam transmitidas dos mais velhos aos mais jovens: a família, os grupos de amigos, as religiões - e, claro, as escolas. No caso do gênero, a associação com elementos preexistentes, como tradições culturais, preceitos religiosos e costumes familiares, vai definindo quais elementos pertencem ao universo masculino ou ao feminino. Por exemplo: ao provar do fruto proibido e convencer Adão a também comê-lo, Eva teria mostrado o lado irracional e sentimental da mulher. Por isso, sedimentou-se a ideia de que ela deveria estar submissa ao homem - naturalmente, um ser racional e cerebral, como explica a pesquisadora Clarisse Ismério no artigo Construções e Representações do Universo Feminino (1920-1945). Mais exemplos: a associação de carros e motos como "coisa de macho" foi herdada da ideia vigente até o início do século 20 de que o espaço público deveria ser ocupado pelos homens, enquanto as mulheres deveriam se dedicar à vida doméstica, como faziam suas mães. Já a atribuição das cores rosa e azul, respectivamente, a meninas e meninos... Bem, essa aí parece não ter justificativa. Nenhuma surpresa: a investigação sócio-histórica revela que na gênese de muitos hábitos, costumes e regras impera a mais pura arbitrariedade.

Tudo isso se complica em razão de outra característica da mentalidade moderna: a tendência de pensar por oposições. Segundo o filósofo francês Jacques Derrida (1930-2004), a lógica ocidental opera por meio de binarismos: feio/belo, puro/impuro, espírito/corpo etc. "Um termo é sempre considerado superior, e o oposto seu subordinado", explica Guacira. Assim, o homem heterossexual conquistou o lugar de maior prestígio na sociedade. Um degrau abaixo, a mulher. E na penumbra, os que não se encaixam no esquema binário: gays, lésbicas, bissexuais, travestis...

Até meados do século 20, esse discurso circulou quase sem contestações. A partir dos anos 1950, movimentos feministas, guiados pelos estudos da filósofa francesa Simone de Beauvoir (1908-1986), engrossados na década seguinte pelos hippies e outros levantes da contracultura, começaram a colocar em xeque os papéis atribuídos às mulheres na sociedade, no trabalho e na família. Seguiram-se a eles as lutas pelos direitos de homens gays, lésbicas, travestis, transexuais e assim por diante entre 1970 e os anos 2000. Atualmente, correntes contestatórias ampliam as possibilidades identitárias, defendendo que há muitos jeitos de ser homem e mulher.

Você deve estar se perguntando onde a escola entra nessa discussão. Para que ela respeite a diversidade, as formações de professores precisam abordar o assunto. É o melhor caminho para disseminar o que as pesquisas já descobriram sobre a construção dos gêneros e sua relação com o sexo e a sexualidade. Mas as iniciativas sofrem forte resistência. O caso mais notório aconteceu em 2011. Como parte do programa Brasil sem Homofobia, especialistas produziram para o governo federal cadernos com conteúdo pedagógico que colocavam o tema em discussão.

A intenção era que o material fosse distribuído a escolas de todo o país. Antes da impressão, entretanto, congressistas ligados a entidades religiosas se opuseram ao projeto. Apelidado de "kit gay", o conteúdo foi acusado de estimular "a promiscuidade e o homossexualismo" - termo em desuso por remeter a doença (hoje, fala-se em homossexualidade). A União cedeu às pressões e vetou a circulação dos cadernos. Oficialmente, não há perspectivas para que esse material saia do armário. Mas, agora, ele está disponível aqui no site NOVA ESCOLA. Leia e tire suas conclusões.

Por enquanto, episódios como o do menino Romeo seguem envoltos pela vergonha. Mesmo em casos de crianças muito pequenas, em que não há relação entre o comportamento da criança e sua sexualidade (meninos mais sensíveis ou meninas que prefiram o futebol às bonecas), o expediente-padrão é convocar os pais para uma conversa sobre o suposto problema e encontrar maneiras de "corrigi-lo". "Muitas vezes, essas crianças e jovens apanham dos pais, são proibidos de voltar às aulas ou mesmo fogem", relata Constantina Xavier, professora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). É papel da escola agir com profissionalismo. O que, nesse caso, significa tratar o tema com naturalidade e não reportá-lo aos pais. Um menino quer se vestir de princesa. Se há algum problema, é com os olhos de quem vê. Como ensina Georgina Clarke, a mãe do pequeno Romeo: "Não me importo. Faz parte de quem ele é. Se usar os vestidos faz com que ele seja feliz, então está tudo bem para mim".
  • Disponível em:http://revistaescola.abril.com.br/formacao/educacao-sexual-precisamos-falar-romeo-834861.shtml. Acesso em: 17 fev. 2015.

8 de fev. de 2015

Marginalzinho: a socialização de uma elite vazia e covarde

Parada em um sinal de trânsito, uma cena capturou minha atenção e me fez pensar como, ao longo da vida, a segregação da sociedade brasileira nos bestializa

 
Rosana Pinheiro Machado
 
Era a largada de duas escolas que estavam situadas uma do lado da outra, separadas por um muro altíssimo de uma delas. Da escola pública saíam crianças correndo, brincando e falando alto. A maioria estava desacompanhada e dirigia-se ao ponto de ônibus da grande avenida, que terminaria nas periferias. Era uma massa escura, especialmente quando contrastada com a massa mais clara que saia da escola particular do lado: crianças brancas, de mãos dadas com os pais, babás ou seguranças, caminhando duramente em direção à fila de caminhonetes. Lado a lado, os dois grupos não se misturavam. Cada um sabia exatamente seu lugar. Desde muito pequenas, aquelas crianças tinham literalmente incorporado a segregação à brasileira, que se caracteriza pela mistura única entre o sistema de apartheid racial e o de castas de classes. Os corpos domesticados revelavam o triste processo de socialização ao desprezo, que tende a só piorar na vida adulta.
 
Mas eis que, de repente, um menino negro, magro e sorridente, ousou subverter as regras tácitas. Brincando de correr em ziguezague, ele “invadiu” a área branca e se esbarrou num menino que, imediatamente, se agarrou desesperadamente no braço da mulher que lhe buscara. Foi um reflexo automático do medo. O menino “invasor” fez um gesto de desculpas – algo como “foi mal” -, e voltou a correr entre os seus, enquanto que a outra criança seguia petrificada.
 
No olhar do menino “invadido”, havia um misto de medo, de raiva, mas principalmente, de nojo – como que se a outra criança tivesse uma doença altamente contagiosa. Não é difícil imaginar o impacto de esse olhar no inconsciente do menino negro e pobre. Este aprendia, desde muito cedo, que era um intocável, que vivia em uma sociedade na qual seu corpo, na esfera pública, valia menos que o de um menino da mesma idade, que ainda não tinha nenhum mérito conquistado, apenas privilégios herdados. As consequências desse gesto minúsculo serão trágicas para o menino "invadido", pois é vítima da ignorância social. Mas será muito mais trágica para quem é negro e desprovido de capital econômico, social e cultural. Para que essa que criança não se corrompa no futuro, ela precisa ser salva do olhar de nojo.
 
É possível que, por meio de leitura e mistura, o menino amedrontado se engrandeça politicamente no futuro, se liberte do muro que lhe protege e dispense o braço da babá. Mas, infelizmente, há uma tendência grande de que ele, cercado por medo e preconceito, passe o resto de sua existência se protegendo do “marginalzinho”. Pivetes, favelados, fedorentos: isso é tudo que o ele ouve sobre seus vizinhos. Trata-se de uma verdade histórica a priori, para além da qual não se consegue pensar. Essas categorias compõem o discurso forjado sobre a pobreza, que, em última instância, visa à intervenção e à manutenção do poder. Reproduzindo este discurso, então, o menino tornar-se-á um adulto. Ele blindará seu carro, colocará alarme em sua casa, pedirá a morte de traficantes. Dirá que rolezinho é arrastão, pedirá mais polícia e curtirá a vida em camarotes. Pode ser até que ele peça a volta da ditadura. Achando que é um cidadão de bem que age contra a marginalidade do mal, forma-se um perfeito idiota.
 
Ah, mas os pobres da África a gente gosta
 
Em 2012, enquanto eu estava em Harvard, recebi a visita de uma orientanda do Brasil. Ela tirava fotos e se exibia no Facebook: “#Orgulho”, “Minha orientadora é pós-doutora por Harvard, e a sua?”. Em uma pausa, ela me perguntou em que escola eu havia estudado para ter chegado a uma universidade da elite internacional. Ela buscava identificação. Eu era um exemplo de uma mulher jovem, branca e “bem sucedida”, exatamente como ela se projetava nos próximos dez anos. Eu, sabendo que ela havia estudado do lado de dentro do muro, respondi que passei a parte mais rica da minha vida, dos 2 aos 17 anos de idade, do outro lado do muro. Ela não postou, mas bem que pensou: #MinhaOrientadoraÉMarginalzinha...".
 
A reação dela era de decepção, vergonha e certa pena de mim. Ela ficou vermelha, desconcertada, sem chão. Engasgou-se e começou a tossir para disfarçar a cor de suas bochechas. Isso tudo porque ela sabia muito bem que tinha passado aproximadamente quinze anos de sua vida chamando pessoas como eu de “tigrada”. Ela se socializou negando a alteridade e, portanto, nunca imaginou que a relação de poder entre os atores dos diferentes lados do mundo se inverteria. Tudo que ela havia aprendido sobre aquele Outro era simplesmente de que se tratava de uma não-persona. O motivo pelo qual o seus vizinhos tinham menos do que ela não cabiam em sua imaginação. Fazendo parte da meritocracia sem mérito, ela simplesmente merecia ter o que tinha.
 
Ela, então, tinha que desvendar um enigma: como uma pessoa que tinha vindo de um lugar tão ruim podia estar em uma Universidade tão boa? A única maneira de ela se reconciliar com seus próprios preconceitos era me classificar como um daqueles casos excepcionais de superação que aparecem Globo Repórter. Eu respondi que não, que o destino de quem sai de lá tem sido muito variado. Há quem entra para o crime e morre antes dos 18 anos, mas a maioria tem histórias de lutas, perdas, mas, sobretudo, conquistas. Uma pena que ela nunca quis saber dessas histórias e deixou de crescer por meio da alteridade.
 
Ironicamente, essa aluna estava voltando de um programa voluntário para ajudar uma comunidade miserável de Ruanda. Havia poesia – e alívio cristão – em (arrogantemente) querer salvar a África. Por algum motivo, os pobres e negros do lado de lá do oceano (que não assaltariam a sua caminhonete já adquirida aos 21 anos) eram mais dignos de sua profunda bondade do que os pobres e negros que ela havia ignorado por toda a sua existência.
 
Eu sempre me pergunto as razões pelas quais esse perfil de elite se comove com a pobreza romantizada, mas nega a solidariedade ao pobre da mesma cidade. Nessas horas, me vem à cabeça o dia em que meus colegas de escola estavam participando de um campeonato de futsal, mas não tinham quadra para treinar. Marcamos uma reunião com a diretora da escola do lado no intuito de solicitar, em nome de nossa vizinhança, o uso da quadra durante a noite, que ficava inativa. Em um ato de profunda humilhação, fomos “escoltados” até o escritório e recepcionados com as piadas das outras crianças (que não teriam tido coragem de debochar fora da fortificação). Depois de muita resistência, a diretora liberou o uso do ginásio, o que foi vetado uma semana depois em função de uma bola que tinha desaparecido. Apesar de eu ter convicção de que não houve roubo, eu nunca vou poder afirmar isso com 100% de certeza. O que eu posso afirmar para o resto da minha vida é que, desde então, eu sou contra a pena de morte – e de toda a concepção de que bandido bom é bandido morto - justamente porque muitos inocentes terão suas vidas abortadas por causa do preconceito. Quinze jovens tiveram seu sonho de competir interrompido por causa de uma falsa verdade: a de que nós só poderíamos ser ladrões. Consequentemente, “não adianta mesmo querer ser generoso e dar oportunidade para marginal”.
 
Entender que o pobre do lado tem o mesmo valor do pobre da África é uma tarefa para uma vida toda, pois envolve uma postura política de grandeza reflexiva intelectual e o reconhecimento de nossa responsabilidade sobre o Outro. Reclama-se da ineficiência do Estado brasileiro, mas toda a violência estrutural gerada por este Estado é reproduzida por sujeitos covardes e apáticos que negam, estigmatizam e inviabilizam o Outro.
 
Faz vinte anos que eu deixei a escola. Em minha última visita, em 2014, as instalações estavam muito mais deterioradas. As goteiras continuam lá. Sem professores em sala de aula, os alunos não podem ir para área de esportes porque o lugar está interditado há seis anos por risco de o teto desabar. Mas o muro da escola do lado continua a crescer.
 
Desde pequena eu aprendi que a violência é holista. As elites não são vítimas da violência urbana. A agressão sofrida é a mesma que se pratica. O olhar de nojo é também assassino. E os muros ferem mais do que protegem. Será que as pessoas imaginam o quanto podem crescer derrubando muros?
 
Fonte: CARTA CAPITAL, em 27 de janeiro de 2015.
Colaboração: Perfil do Facebook de Eleonora Ramos, jornalista e ativista dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes. In: Blog Educar sem Violência. Cida Alves. Acesso em: 08 fev. 2015.