29 de abr. de 2014

“Estou pronta para contar que fui abusada sexualmente na infância”


POR SHEILA WELLER DA GLAMOUR UK, COM TRADUÇÃO DE IGOR ZAHIR

O abuso sexual já ficou em segundo lugar entre os tipos de violência infantil mais comuns - e graves! São mais de 15 mil casos todo ano, só no Brasil. Lá fora, depois que Dylan Farrow escreveu um artigo para o "The New York Times" acusando o pai adotivo,Woody Allen, de estupro, mais mulheres criaram coragem de assumir que foram molestadas na infância. A seguir você confere três histórias fortes e comoventes.


Jennifer Hanes (Foto: arquivo pessoal)
“Confrontei meu agressor e depois o perdoei”

“Cresci em uma pequena cidade no Missouri e tínhamos uma vida normal: meu pai era professor, minha mãe era secretária. Mas eu sempre soube que era diferente das outras famílias. Meu pai me sentou no colo dele várias vezes para abrir sua revista Playboy e andar nu na minha frente.


No início, quando ele veio ao meu quarto depois que eu estava dormindo, senti o cheiro de álcool em seu hálito e me apavorei quando ele colocou os dedos dentro de mim. Em algum momento, quando eu tinha entre sete e 10 anos, ele começou a colocar o pênis, mesmo eu tentando impedi-lo. Não me lembro quantas vezes meu pai me estuprou. Voltei-me para a comida e por sorte não tive um distúrbio alimentar, mas eu também mergulhei em trabalhos escolares, sempre querendo ser médica. Hoje eu sou e trabalho no setor de emergências do hospital.

Há três anos, no meio de um tratamento facial, a esteticista colocou um pano quente sobre o meu rosto, da mesma forma que meu pai costumava fazer para me sufocar com um ursinho de pelúcia. ("Basta ficar em silêncio", ele dizia antes de me estuprar.) Eu pulei da mesa, paguei e corri para o meu carro. Estava chorando tanto que eu não pude dirigir. Sentei lá na solidão no meio da estrada e comecei a gritar o que eu não tinha gritado aos nove anos: "Socorro! Por favor, alguém me ajude! Eu preciso de ajuda!”.

Naquele ano, eu conversei com um psiquiatra sobre denunciar meu pai. Mas ele nem tinha mais crianças por perto. Óbvio, já que havia completado 65 anos. O médico e eu decidimos pensar sobre isso por uma semana e, em seguida, tomar uma decisão. Quase uma semana depois, meu pai foi atropelado por um carro. Eu voei para Kansas City, Missouri, e fui direto para seu quarto na UTI. Pedi para ficar sozinha com ele. Lá eu disse a ele que lembrava de tudo e que por ele ter sido tão monstruoso comigo, algo terrível deve ter acontecido com ele. E então eu disse que o perdoava. Minutos depois, ele parou de respirar. Eu sei que meu pai estava esperando apenas por essas palavras para morrer em paz”.

Jennifer Hanes, 39 anos, mora em Austin, no Texas, ao lado dos dois filhos


Trisha Fielding (Foto: arquivo pessoal)
“Fui da tentativa de suicídio ao emprego de buyer”

“Meu padrasto, um sargento da Força Aérea, se confessou culpado de atos indecentes com uma menor de idade, inclusive tocando e beijando minhas partes íntimas e forçando-me a fazer a mesma coisa com as partes dele. Ele foi para a prisão por três anos. Sim, ele foi punido, mas não era compensação suficiente para o meu sofrimento.








Eu finalmente me abri com um terapeuta sobre o abuso quando tinha 13 anos, depois de tentar cometer suicídio. E mesmo depois que ele foi condenado, continuei com trauma de homens, sem autoestima, fugindo dos namorados. Então tive um filho aos 19 anos e começou a funcionar tudo normalmente para mim. Finalmente aceitei que não posso mudar e decidi ajudar outras vítimas. Fui para a faculdade e agora sou buyer de uma empresa de aviação e me sinto cada dia uma pessoa mais forte”.

Trisha Fielding, 34 anos, mora na Flórida


Liz Rattan (Foto: arquivo pessoal)
“Armei uma emboscada para meu agressor”

“Foi há dois anos que eu fiz a "chamada de frio." Enquanto estava lá com dois detetives, eu disquei o número do meu agressor, pronta para atraí-lo para uma conversa amigável sobre o nosso "relacionamento". Os policiais tinham clonado a linha. Eu queria provas. Conheci este homem (amigo do meu pai), dez anos antes. Aos 13 eu queria ser artista e ele era um pintor incrível. Extremamente astuto, aproveitou-se que eu era ingênua e vulnerável, com devoção cristã e infeliz em casa. "Eu sei o que você está passando", ele dizia. "Seus pais não te entendem." Comecei indo uma vez por semana. Eu sentava em seu sofá; ele segurava minha mão. "Você é linda", disse um dia. Então ele me beijou. Foi o meu primeiro beijo. Dentro de alguns meses, ele foi me forçando a fazer sexo oral nele. Eu me senti muito confusa. Não sabia que estava sendo usada por um mestre manipulador. Quando eu tinha 14 anos, ele começou a me estuprar, dizendo coisas como: "Se Deus nos uniu, quem é você para nos separar? "


Mas eu comecei a me apaixonar e quando estava no segundo ano na faculdade, ele era a minha vida. Fisicamente, pelo menos. Quando eu caí na depressão mais grave que se possa imaginar, sabia que precisava dizer a polícia. O caso levou um tempo, mas ele se confessou culpado de abuso sexual de menores e foi condenado. Eu nunca vou esquecer o quanto eu me sentia enjoada durante essa chamada, fingindo ter até mesmo afeição por esse cara. Obriguei-me a falar com doçura, mas o tempo todo eu estava com tanta raiva, que depois que eu desliguei, um dos agentes de segurança disse: "Eu quase comecei a rir quando você fez isso. Estou tão orgulhoso de você, quer ser detetive?”.
Liz Rattan, 25, recentemente graduada pela Universidade da Pensilvânia.

Fonte: http://revistaglamour.globo.com/Na-Real/noticia/2014/04/jogo-aberto-estou-pronta-para-contar-que-fui-abusada-sexualmente-na-infancia.html. Acesso em: 29 abr. 2014. 

22 de abr. de 2014

Bernardo Uglione Boldrini: mais uma morte anunciada!


De joelhos
“Mortes como a do menino Bernardo me aniquilam! Penso que toda vez que um ascendente - que a meu ver possui o compromisso civilizatório de proteger sua cria - mata seu descendente, todos os homens e mulheres da terra, independente de credos ou religiões, deveriam curvar seus joelhos no chão e pedir perdão a seus deuses ou ao universo por mais um fracasso da humanidade” (Cida Alves).



As violências físicas contra crianças e adolescentes apresentam um elevado risco de morte, pois a natureza dessa forma de violência implica no ataque ou na destruição do corpo da vítima. Nós, educadores, profissionais da saúde e da assistência social, promotores de justiça, agentes de segurança e juízes não podemos negligenciar as denúncias de violências físicas.

Há décadas, pesquisas internacionais evidenciam a magnitude e a letalidade[1] da violência física. Um exemplo é a pesquisa realizada na Inglaterra, com base nos óbitos registrados nos Serviços de Proteção à Infância, de 1991 e 1995. Os resultados dessa pesquisa indicaram que o número de mortes decorrente da violência física predomina em relação as outras formas de violência (apud AZEVEDO; GUERRA, 1995). A tabela abaixo ilustra essa predominância.

MORTES POR VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Tipo de Violência/Ano19911992199319941995

Negligência5.6006.2006.8008.3008.900

Violência física9.2009.10010.00010.70010.400

Violência sexual5.2005.6007.1008.1007.500

Violência psicológica2.6002.8003.5004.4004.700

Negligência, violência física e sexual100200200300300

Negligência, violência física9001.0001.1001.3001.400

Negligência, violência física200300400500600

Violência física, sexual400500600800800

Atenção máxima21.10012.9002.700500300

Total45.20038.60032.50034.90034.950



[1] Letalidade é um conceito utilizado pela epidemiologia que permite verificar a gravidade de um evento, ou seja, ela mede o risco de morte de um determinado evento. No caso em questão, a letalidade da violência física é calculada verificando-se, do total de crianças, adolescentes e jovens adultos vítimas de violência física, quantos foram a óbito por causa desse tipo de violência.

Obs.: Os casos constantes dos dados da tabela acima vão de zero a dezessete anos, cuja a população em 1992, na Inglaterra, era de 10.951.900.

Referência:

AZEVEDO, Maria Amélia; GUERRA, Viviane N. de Azevedo. Telecurso de especialização na área de violência doméstica contra crianças e adolescentes. São Paulo: Lacri/Ipusp, 1995.

Foto capturada no blog Paulo Suess

Avó Materna de Bernardo
Avó materna, Jussara Uglione, havia se oferecido para criar Bernardo. Foto: Claudio Vaz / Agencia RBS

Veja algumas reportagens sobre o Caso Bernardo Uglione Boldrini
Menino Bernardo pediu ajuda ao Ministério Público antes de morrer
Fonte: Blog Educar sem Violência. Cida Alves. Acesso em: 22 abr. 2014

16 de abr. de 2014

3 denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes são registradas por hora no Disque 100


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No ano passado, foram registradas no Brasil quase 32 mil denúncias no Disque 100, da Secretaria de Direitos Humanos. O que dá uma média de três crianças e adolescentes abusados a cada hora.

Uma vítima de abuso conta que lutou com o criminoso, mas ele fugiu. “Lutei com ele, briguei, lutei, fiz de tudo, arranhei o rosto dele e não teve jeito, me imobilizou e fez o que fez”.

Não foi fácil criar coragem para registrar a queixa. A vítima conta o que ouviu de um policial: “Também, você estava com roupa de dormir. Na delegacia especializada, uma delegacia de mulher, a pessoa virar para mim e tentar me culpar pelo que tinha acontecido? Eu esperava que todos fossem me culpar também”, conta.

Uma cartilha foi criada pela Promotoria da Infância e da Juventude no Rio de Janeiro para ajudar os policiais a identificar nas ruas sinais de violência ou de exploração sexual de menores. É uma iniciativa importante no momento em que várias cidades do país se preparam para receber muitos turistas por causa da Copa do Mundo.
“O simples fato de um policial abordar um turista que está parado conversando com essa adolescente prevenirá a prática dessa violação de direitos, explica a promotora da Infância e Juventude, Clisânger Ferreira.

Veja reportagem completa AQUI

Ilustração capturada no site Ronilton Costa

Fonte: Blog Educar sem Violência. Cida Alves. 2014. 

13 de abr. de 2014

Savior – Um homem dividido pela dor e a força de sua coragem


"O homem é uma corda estendida entre o animal e o Super-homem: uma corda sobre um abismo; perigosa travessia, perigoso caminhar; perigoso olhar para trás, perigoso tremer e parar. O que é de grande valor no homem é ele ser uma ponte e não um fim: o que se pode amar no homem é ele ser uma passagem e um ocaso."
Nietzsche



O que escolhe proteger a vida!
Herói de São Luis
“Super-Homem” de São Luiz do Maranhão - Márcio Roni da Cruz Nunes, 37,  recebe alta após 3 meses de internação em hospital de Goiânia

"Ele olhou para aquela criança cheia de fogo e voltou para buscar", disse a mãe de Nunes, Marinete da Cruz Nunes, de 65 anos.
"Tenho certeza de que, mesmo queimado e com tantas dores, ele não se arrependeu do que fez", afirmou a irmã, Josinete da Cruz Nunes, de 49.

Os que escolhem aniquilar, destruir a vida…



Os algozes de Ana Clara – as imagens são extremamente fortes, a exibição delas não é recomendada para crianças.

Disponível em: http://toleranciaecontentamento.blogspot.com.br/. Acesso em: 13 abr. 2014.

7 de abr. de 2014

Abuso sexual é o 2º maior tipo de violência sofrida por crianças no País

De acordo com o Ministério da Saúde, violência sexual contra crianças de até nove anos fica atrás apenas de negligência e abandono.

O abuso sexual é o segundo tipo de violência mais característica em crianças de até nove anos, de acordo com pesquisa divulgada nesta terça-feira pelo Ministério da Saúde. O levantamento indica que esse tipo de agressão fica atrás apenas das notificações de negligência e abandono.

Em 2011, foram registrados 14.625 casos de violência doméstica, sexual, física e outras agressões contra menores de 10 anos – 35% do total, enquanto a negligência e o abandono responderam por 36% dos registros.
AE
Adolescente de 14 anos que sofreu abuso sexual em presídio do Pará
Os dados revelam ainda que a violência sexual também ocupa o segundo lugar na faixa etária de 10 a 14 anos, com 10,5% das notificações, ficando atrás apenas da violência física (13,3%). Na faixa de 15 a 19 anos, esse tipo de agressão ocupa o terceiro lugar, com 5,2%, atrás da violência física (28,3%) e da psicológica (7,6%).
Os números apontam também que 22% do total de casos (3.253) envolveram menores de 1 ano e 77% foram registrados na faixa etária de 1 a 9 anos.
A maior parte das agressões ocorreu na residência da criança (64,5%). Em relação ao meio utilizado para agressão, a força corporal/espancamento foi o mais apontado (22,2%), atingindo mais meninos (23%) do que meninas (21,6%). Em 45,6% dos casos, o provável autor da violência era do sexo masculino. A maior parte dos agressores é alguém do convívio muito próximo da criança e do adolescente: o pai, algum parente ou ainda amigos e vizinhos.
De acordo com o ministério, o sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (Viva) possibilita conhecer a frequência e a gravidade das agressões e identificar casos de violência doméstica, sexual e outras formas (psicológica e negligência/abandono). Esse tipo de notificação se tornou obrigatória em todos os estabelecimentos de saúde do país no ano passado.
Os dados são coletados por meio da Ficha de Notificação/Investigação individual de violência doméstica, sexual e/ou outras violências, que é registrada no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). Qualquer caso, suspeito ou confirmado, deve ser notificado pelos profissionais de saúde.
Disponível em: http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2012-05-22/abuso-sexual-e-o-2-maior-tipo-de-violencia-sofrida-por-criancas.html. Acesso em: 07 abr. 2014. 

5 de abr. de 2014

Dados de estudo da UnB deixam claro que o castigo físico ainda é considerado uma prática legítima de educação

Um estudo da Universidade de Brasília (UnB) mostra que 52,45% dos casos de maus-tratos contra crianças são praticados pelas mães das vítimas. Os pais são os responsáveis pela violência em 42% das vezes. Os número têm como base o Serviço de Assessoramento a Juízos Criminais (Serav) de 2010.

AP
Em 90% dos processos analisados, as crianças e os adolescentes são vítimas de espancamento, socos, tapas ou chutes. A violência psicológica, verbal ou moral está presente na minoria dos casos
Os dados são oriundos da análise de 37,7% do total de ocorrências de maus-tratos registradas no Tribunal de Justiça do Distrito Federal em 2010. A partir dos arquivos da Justiça, o estudo "Entre a garantia e a restrição de direitos: a judicialização das situações de violência doméstica e familiar contra crianças e adolescentes", de autoria da pesquisadora Cristiane Rodrigues, conclui que a maior incidência das mulheres como agressoras tem relação direta com o papel delas na criação dos filhos.
Desconsiderando o sexo dos agressores, a pesquisa também aponta que a idade com que pais e mães tiveram seus filhos pode ser outra explicação para essa violência. “Ao considerar a idade em que se tornaram pais e mães, a juventude mostra-se ainda mais evidente, sendo que 75% deles vivenciaram a maternidade e a paternidade antes dos 25 anos”, afirma Cristiane no estudo.
As denúncias ao Serviço de Assessoramento a Juízos Criminais deixam claro que o castigo físico ainda é considerado uma prática legítima de educação dos filhos. Isso porque, em 90% dos processos analisados, as crianças e os adolescentes são vítimas de espancamento, socos, tapas ou chutes. A violência psicológica, verbal ou moral está presente na minoria dos casos.
Apesar de, supostamente, a surra ser considerado algo normal, foram os outros genitores ou até os avós que denunciaram a violência contra crianças e adolescentes dentro de casa em quase todos os casos analisados pela UnB. "Das ocorrências policiais, 60% foram feitas por familiares, especialmente por um dos pais", diz a pesquisa.
Prevenção e punição
Apesar de a punição contra os agressores ser efetiva em algumas denúncias, as políticas brasileiras não garantem todos os direitos sociais previstos na Constituição Federal para crianças e adolescentes. Um exemplo: em 70% das situações, a vítima residia com a pessoa responsável pela violência, mas só houve mudança de guarda a partir da ocorrência em 25% das situações.
O estudo comprova que o problema atinge, principalmente, famílias pobres e “mais vulneráveis aos mecanismos de proteção e responsabilização do Estado”. Consequentemente, as situações de violência, segundo Cristiane Rodrigues, são motivadas por razões que fogem do ambiente domiciliar, como fatores econômicos, sociais, históricos e culturais.
Para a pesquisadora, no entanto, “uma ação conjunta entre o Judiciário e órgãos públicos responsáveis pela proteção dos direitos da criança e do adolescente é o caminho para a prevenção e resolução dos casos de violência familiar”.
Por Renan Truffi , iG São Paulo 
    Disponível em: http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2013-12-17/mais-de-50-dos-casos-de-maus-tratos-contra-criancas-sao-praticados-pelas-maes.html. Acesso em: 5 abr. 2014. 

    1 de abr. de 2014

    Chega de palmada! Entrevista com Cida Alves



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    Psicóloga e doutora em educação, Maria Aparecida Alves da Silva defende o fim dos castigos corporais para crianças e adolescentes e vê a escola como grande aliada




    Por Larissa Quixabeira*

    Proteção à criança e ao adolescente é um dos preceitos básicos de nossa legislação, mas o que se pode fazer quando a violência vem de dentro de casa? Os castigos e punições violentos e mesmo a agressão psicológica, apesar de danosos ao desenvolvimento da criança, são aceitos em nossa cultura como forma de educar. 

    O projeto de lei de nº 7672/2010, mais conhecido como “Lei da Palmada”, basicamente proíbe o uso de castigos físicos ou degradantes na educação de crianças e adolescentes. Indo na contramão de uma tendência mundial, o Brasil ainda não conseguiu aprovar o texto, que atualmente tramita no Senado Federal.

    Para a psicóloga Maria Aparecida Alves Silva, “a violência intrafamiliar não tem suas raízes em questões econômicas ou no nível de escolaridade dos adultos responsáveis, mas sim na forma como entendemos o desenvolvimento infantil”.

    Nesta entrevista, a especialista em violência infantil explica a importância de uma mudança de mentalidade dos pais enquanto principais referências no desenvolvimento de uma criança.

    Por que a violência contra crianças e adolescentes como forma de educar é culturalmente aceita?

    Em nossa cultura, a criança é vista como um objeto de propriedade dos pais ou responsáveis e nossa tradição dá legitimidade aos adultos de fazer o que querem com as crianças. A visão da criança e adolescente como cidadãos ainda é relativamente recente.

    Além da questão cultural, existem pontos que moralizam os pais nessa situação, como a alegação da existência de alguma patologia de nível psicológico ou psiquiátrico. Mas pesquisas mostra que os casos de violência em que o agressor apresenta esquizofrênia, depressão ou qualquer outro problema psicológico, que possa ter levado ao ato violento, são um percentual muito baixo, cerca de 10%.
    O mais comum é que a violência parta de pessoas sem nenhum transtorno do tipo, mas que tenham dificuldade em desenvolver um vínculo afetivo com filho. Muitas vezes, os pais colocam as crianças como parte de um projeto e acreditam que elas devem ser moldadas.

    Quando a criança não obedece a um comando, isso gera um mal estar, uma sensação de instabilidade nos pais, que podem apelar para o uso de castigos mais duros como espancamentos ou humilhação, que nada mais são do que uma resposta do adulto à sua própria falta de controle sobre a criança. Toda criança demanda atenção e a utilização de “métodos pedagógicos” que envolvam castigos muito severos é uma forma de ignorar essa necessidade, fazendo com que a criança sofra um processo de rejeição.

    É muito importante entender o fenômeno da violência como um todo. Não se pode pensar que certas coisas são permitidas e outras não. Por exemplo, a nossa cultura não aceita nenhum tipo de violência sexual, mas quando se trata de violência física ou psicológica, pensamos que um pouco pode. É preciso entender que esse mal deve ser cortado pela raiz. Deveria ser considerado desumano uma chamada “prática educativa” que legitima a violência, quando, na verdade, se trata de uma prática extremamente danosa para o desenvolvimento infantil.

    Quais são as consequências que o convívio com a agressão pode trazer para o desenvolvimento da criança?

    As consequências da convivência com a violência dependem de situações que podem ou não agravar o quadro. Pesquisas mostram que quanto mais jovem a criança violentada, os danos são maiores e mais permanentes, devido à imaturidade neurofisiológica. De 0 a 5 anos é um período muito crítico no desenvolvimento infantil. O cérebro ainda não está completamente desenvolvido e o restante desta formação é determinada pela experiência externa, o contato com as outras pessoas e os estímulos que recebe.

    Qualquer criança que tenha suas necessidades negligenciadas e sofra qualquer tipo de violência liberam um tipo de hormônio associado ao estresse que acaba modificando sua estrutura morfológica. Se até a década de 1990 acreditávamos que a violência sexual, por exemplo, tinha impacto no aspecto emocional, prejudicando o comportamento, a linguagem e levando a problemas como depressão, hoje sabemos que, além disso, temos danos muito mais profundos.

    Outro elemento que agrava as situações de violência doméstica é a existência de um vínculo significativo de confiança entre a criança e o agressor. Normalmente os autores da violência são os pais, avós, tios ou qualquer pessoa próxima, ou seja, uma figura que não pode ser descartada, o que tem um significado muito forte na vida psicológica desta criança.

    Por isso a violência fica guardada de forma muito profunda. A criança sente como se ela não pudesse contar para ninguém, não consegue se expressar e tem que conviver com o estresse de guardar esse segredo. De certa forma, ela se encontra sozinha tendo que brigar emocionalmente com esse fato, construindo para si mesma uma imagem negativa e aceitando a rejeição que sofre em casa também no contexto social.

    Qual é o papel da escola e, principalmente, do professor em uma situação como essa?

    Como a maioria dos casos de violência vem de dentro de casa, é muito raro a própria família buscar ajuda. Quase sempre é um elemento de fora que identifica a situação, um vizinho ou um professor. No meu processo de acompanhamento psicológico de pacientes, a maioria dos casos chegava a mim através do Conselho Tutelar ou das escolas. E, no imaginário das crianças, a escola era um ambiente onde ela se sentia segura, um cenário de confiança.

    O professor, por sua vez, se mostra como um grande aliado nesse processo de socialização e proteção por ocupar uma posição muito privilegiada no convívio com a criança. Os profissionais de saúde, por exemplo, só chegam à criança quando ela é levada por alguém, ou seja, quando os sintomas físicos se tornam evidentes. Mas o professor convive todos os dias, tem mais condições de perceber os primeiros indícios de que alguma coisa está errada, pois um dos primeiros sintomas é a falta de atenção em sala de aula e o isolamento social.

    Por ter um papel tão importante, a senhora acredita que os professores são preparados para lidar com este tipo de situação?

    Em minha pesquisa percebi que os professores sofrem muito com toda essa situação, pois cada dia mais eles desenvolvem um olhar mais cuidadoso e um atenção maior para o diagnóstico de casos de violência. Então, quando chegam a fazer a denúncia, o atendimento e a proteção à criança não são imediatos e, na maioria das vezes, o professor acaba assumindo a linha de frente do problema, quando este deveria ser o papel da escola ou da Secretaria da Educação. Além de investir na formação do professor para que ele saiba lidar melhor com esses casos, também é preciso o apoio dos organismos de retaguarda e uma ação rápida, pois mesmo quando a denúncia é feita, no dia seguinte a criança volta à escola e nesta situação, o professor fica muito exposto.

    Violências física e sexual são as mais fáceis de serem detectadas, mas a violência psicológica também pode ter efeitos graves no desenvolvimento do indivíduo.  Como fazer para perceber quando tem algo de errado?

    Entre os diferentes tipos de violência contra crianças e adolescentes, observamos a existência de uma gradação. Começa, por exemplo, com uma pré-disposição à negligência e abandono emocional, então é importante olhar o caso desde o começo, pois uma porta abre outra. A violência física abre as portas para a violência sexual, por exemplo, como forma de fazer a criança obedecer.

    Cada criança reage de uma maneira diferente. Algumas têm uma resposta mais agressiva e violenta, o que, de certa forma, ajuda no diagnóstico. Por outro lado, outras são mais quietas e se isolam, desistem do contato com o outro como uma maneira de lidar com o trauma. Este último caso é o que consideramos de risco, pois o diagnóstico é mais difícil, uma vez que o comportamento mais quieto pode acabar passando despercebido. Os adultos que convivem com essa criança se acomodam porque ela não incomoda.

    Então ninguém se pergunta o porquê de um comportamento tão recluso, por que ela não brinca com as outras crianças. Mas quando começamos a prestar atenção, os sintomas parecem mais claros. É preciso um esforço para que o olhar se torne mais sensível à essa questão.

    Se aprovada a “Lei da Palmada”,  de que maneira essa nova legislação será efetiva na resolução do problema?

    Eu sempre defendi a aprovação da lei como um marco legal. Para que essa situação possa ser revertida em nosso país, precisamos de vários instrumentos de forma simultânea, e um deles é a lei. É evidente a queda do número de casos de violência doméstica infantil em países que firmaram um acordo que não permite nenhum tipo de violência. Além disso, o nosso projeto de lei prevê medidas de prevenção e orientação para que, aos poucos, os pais aprendam que existem práticas mais saudáveis e eficientes de se educar e os profissionais da saúde podem ajudar nesse processo de mudança de mentalidade.

    Atualmente, temos a premissa de que a violência moderada é permitida, mas quem diz o que é moderada? Uma simples chacoalhada pode causar dano cerebral na criança; fazer certas coisas em determinadas fases do crescimento pode prejudicar demais. Além disso, fere o direto à integridade física e psicológica do menor (da criançar)**.

    Muito pais com dificuldade em entender isso, em sua maioria têm um vínculo positivo com a criança, querem cuidar e educar, mas, por uma questão cultural, entendem que a violência é o jeito certo. Hoje em dia, os pais são orientados quanto à alimentação e saúde dos filhos através de campanhas que têm mudado o comportamento e dado resultados no índices de mortalidade infantil.

    Da mesma forma, políticas públicas sobre violência intrafamiliar, que possam informar os pais sobre os danos inclusive cognitivos que as crianças podem sofrer, são a melhor forma de, aos poucos, começar a mudar esse quadro. Sabemos que o Brasil ainda é um país muito conservador e que este é um projeto a longo prazo, mas a proteção à criança e ao adolescente é uma cobrança mundial e um país como o nosso precisa, realmente, se atentar mais para este assunto.

    Quem é e o que faz?

    Maria Aparecida Alves da Silva é psicóloga formada pela UCG e tem mestrado e doutorado em Educação Brasileira pela UFG. Há mais de 15 anos atua na saúde pública, como técnica na área de saúde mental, dedicando-se a atender pessoas envolvidas em situações de violência. Como gestora pública foi chefe de gabinete da Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia e secretária municipal de saúde de Bela Vista de Goiás. Desde 2007 atua como consultora e colaboradora do Ministério da Saúde e, desde 2009, integra a rede “Não Bata, Eduque”.

    Fonte: TRIBUNA DO PLANALTO, em  29 de Março de 2014 08:59

    *Larissa Quixabeira é estagiária do convênio Tribuna/UFG

    ** Correção do termo menor por criança foi feita por Cida Alves).

    Disponível em: http://toleranciaecontentamento.blogspot.com.br/2014/04/chega-de-palmada-entrevista-com-cida.html. Acesso em: 1 abr. 2014.