12 de mai. de 2012


“Que a maior porta é o afecto…” Mario Benedetti


Dedico o poema “Dos Afetos” de Mário Benedetti às notáveis mães que tive a oportunidade e a honra de conhecer ao longo de minha carreira profissional.

Mães muito distintas - transbordantes de afeto e coragem, que foram ao limite de si mesma para proteger seus filhos e filhas da violência.

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Minha heroina, mãe que mesmo não sabendo nadar se atira em um poço cheio de ferragens para salvar a vida do filho.
Mães que enfrentaram o medo e a vergonha e perambularam por conselhos tutelares e delegacias a fim de interditar a violência que era infligida a seus filhos e filhas, na maioria das vezes, por seus próprios maridos e companheiros.

Mães trabalhadoras e sempre esgotadas, mas que nunca deixavam de levar seus filhos e filhas às consultas em um distante serviço público de saúde.

Mães que recorreram desesperadamente a todas as instâncias possíveispara que uma decisão judicial injusta não obrigasse a sua filha ou seu filho a retornarem o contato, sem nenhuma garantia de proteção, com pais abusadores.

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Mães que não temendo por sua própria morte ousaram denunciar grupos de extermínio que vitimaram seus filhos em Goiás.

Mães, ainda que confusas e fragilizadas, conseguiam ter a força e a virtude de refletirem sobre as violências que elas mesmas comentiam contra os seus filhos e filhas, e num esforço sobre humana conseguiam romper com crenças enraizadas em sua cultura familiar e no seu habitus*, desenvolvendo assim práticas educativas que não se baseavam mais em castigos físicos e humilhantes.

TODAS ESSAS MÃES ME COMOVEM PROFUNDAMENTEelas me encorajam nos momentos mais duros de minha peleja profissional e me inspiram sempre em minha caminhada pela vida....


DOS AFETOS
Como fazer-te saber que há sempre tempo?
Que temos que buscá-lo e dá-lo…
Que ninguém estabelece normas, senão a vida…
Que a vida sem certas normas perde formas…
Que a forma não se perde com abrirmo-nos…
Que abrirmo-nos não é amar indiscriminadamente…
Que não é proibido amar…
Que também se pode odiar…
Que a agressão porque sim, fere muito…
Que as feridas fecham-se…
Que as portas não devem fechar-se…
QUE A MAIOR PORTA É O AFECTO…
Que os afectos definem-nos…Que definir-se não é remar contra a corrente…
Que não quanto mais se carrega no traço mais se desenha…
QUE NEGAR PALAVRAS É ABRIR DISTÂNCIAS…
Que encontrar-se é lindo…
Que o sexo faz parte da lindeza da vida…
Que a vida parte do sexo…
Que o porquê das crianças tem o seu porquê…
Que querer saber de alguém não é só curiosidade…
Que saber tudo de todos é curiosidade malsã…
Que nunca é demais agradecer…
Que autodeterminação não é fazer as coisas sozinho…
Que ninguém quer estar só…
Que para não estar só há que dar…
Que para dar devemos antes receber…
Que para nos darem há também que saber pedir…
Que saber pedir não é oferecer-se…
Que oferecer-se, em definitivo, não é querer-se…
Que para nos quererem devemos mostrar quem somos…
Que para alguém ser é preciso dar-lhe ajuda…
Que ajudar é poder dar ânimo e apoiar…
Que adular não é apoiar…
Que adular é tão pernicioso como virar a cara…
Que as coisas cara a cara são honestas…
Que ninguém é honesto por não roubar…
QUE QUANDO NÃO SE TIRA PRAZER DAS COISAS NÃO SE VIVE…
Que para sentir a vida temos de esquecer que existe a morte…
Que se pode estar morto em vida…
Que sentimos com o corpo e a mente…
Que com os ouvidos se escuta…
Que custa ser sensível e não se ferir…
Que ferir-se não é sangrar…
Que para não nos ferirmos levantamos muros…
QUE MELHOR SERIA FAZER PONTES…
Que por elas se vai à outra margem e ninguém volta…
Que voltar não implica retroceder…
Que retroceder também pode ser avançar…
Que não é por muito avançar que se amanhece mais perto do sol…
Como fazer-te saber que ninguém estabelece normas, senão a vida?
Mario Benedetti





*habitus - [...] um sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas as experiências passadas, funciona a cada momento como uma matriz de percepções, de apreciações e de ações – e torna possível a realização de tarefas infinitamente diferenciadas, graças às transferências analógicas de esquemas [...] (Bourdieu, 1983b, p. 65). Para Pierre Bourdieu, o princípio da ação histórica não é um objeto que se confronta com a sociedade como algo constituído pela exterioridade. Esse princípio não reside nem na consciência, nem nas coisas, mas sim na relação entre a história objetivada nas coisas e a história encarnada nos corpos. O corpo está dentro do corpo social, mas o mundo social está dentro do corpo”, afirma Bordieu (2001 p. 41).

Fonte: Cida Alves. Blogger Educar Sem Violência. 2012. Disponível em: http://toleranciaecontentamento.blogspot.com.br/. Acesso em: 12 maio de 2012.

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