17 de dez. de 2013

Exploração sexual infantil

A proteção integral prevista na legislação e a urgência no combate à violência contra a criança e o adolescente

Texto: Semiramys Fernandes Tomé
Enfocando a proteção legal de crianças e adolescentes, analisamos serem estes objeto de tutela pelo ordenamento jurídico brasileiro, que é pautado pela Doutrina da Proteção Integral. Dispõe Pedro Lenza, analisando a situação da criança e do adolescente perante a ordem jurídica e aos preceitos constantes na Constituição Federal de 1988:

A Constituição de 1988 avança na proteção à criança e ao adolescente, estabelecendo diversos direitos fundamentais. A proteção às crianças e adolescentes é reforçada pela Convenção sobre os Direitos da Criança e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90).

Ao tecer comentários acerca da previsão legal de amparo jurídico da criança e do adolescente, dispõe Tiago Emboaba Dias:
A Constituição Federal de 1988 concebeu um novo enfoque sobre os princípios pelos quais as normas anteriores que regulavam direitos e garantias de crianças e adolescentes se norteavam, assimilando a doutrina da proteção integral em seu bojo, segundo a qual a criança é vista como cidadã, não mais se afigurando como mero objeto de assistência ou pessoa em potencial, mas sujeito de direito, destinatário de proteção específica e prioritária, necessária ao seu desenvolvimento.

No mesmo sentido da norma constitucional, o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (Lei 8.069/1990) prevê como um de seus princípios basilares a proteção integral instituída à criança e ao adolescente, posto que se faz necessária a orientação pelo entendimento de que são pessoas em desenvolvimento, sendo esta característica de natureza peculiar.

Acerca da doutrina da proteção integral, preleciona o ECA em seu artigo 1º: "Esta Lei disporá sobre a proteção integral à criança e ao adolescente."
Assim sendo, a legislação infraconstitucional e a própria norma constitucional respaldam a total proteção da criança e do adolescente, optando por coibir qualquer forma de abuso ou exploração que estes porventura possam vir a sofrer.

Ademais, a Carta Magna de 1988 é precisa, dispondo em seu bojo de forma explícita a tutela dos direitos dos menores, estabelecendo, caber a todos - família, Estado e a sociedade - viabilizar a efetivação dos direitos inerentes à criança e ao adolescente.

Em seu art. 227, § 4º, a CF/1988 faz, ainda, uma ressalva, prevendo que qualquer forma de abuso ou exploração de cunho sexual será efetivamente punido:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. [...]

§ 4º A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente.

Sobre a viabilização dos direitos fundamentais instituídos a crianças e adolescentes na Norma Constitucional e no ECA, narra o ministro Nilson Naves, em estudo acerca do tráfico e da exploração sexual de crianças e adolescentes: "Apesar de estarem previstas em normas jurídicas as condições para o desenvolvimento saudável das crianças e dos adolescentes, no dia a dia dos brasileiros a efetivação de seus direitos parece bem distante."

Analisando a denominação "criança e adolescente", detecta-se que o legislador norteou-se exclusivamente pelo critério etário, segundo dispositivos constantes no Estatuto da Criança e do Adolescente. Disciplina seu art. 2º: "Considera-se criança, para efeitos dessa Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre treze e dezoito anos de idade."

Contudo, apesar de observarmos a existência de nítida previsão legal à tutela jurídica da criança em face da exploração sexual, verificamos no contexto social que a prática atinge contornos assombrosos e índices alarmantes sob os mais diversos modos, tais como incesto ou violência sexual intrafamiliar, estupro, atentado violento ao pudor, assédio sexual, pornografia e prostituição infantil.


Dispôs o ministro Nilson Naves, em 2003, sobre os dados do estudo acerca do tráfico e exploração sexual de crianças e adolescentes: "[...] revela que cem crianças morrem por dia no Brasil vítima de maus-tratos, violência física, abuso sexual e psicológico."

A incidência da exploração sexual infantil no estado do Ceará apresenta índices ainda mais alarmantes, segundo informações de 2008 da promotora de justiça Edna Lopes Costa da Matta: "Só na Vara dos Crimes Contra Criança e Adolescente, cerca de 55% dos 1.100 processos em tramitação são referentes a abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes."
(...) a legislação infraconstitucional e a própria norma constitucional respaldam a total proteção da criança e do adolescente, optando por coibir qualquer forma de abuso ou exploração (...)

A exploração sexual infantil constitui-se, por conseguinte, num crime sexual de natureza sui generis, haja vista englobar várias formas de violência que se mostram violadoras dos direitos fundamentais do menor: agressão de natureza física e psicológica, sendo várias vezes de consequências graves e irremediáveis.

Há de se destacar, ainda, entendimento de Gustavo Leal (2001, apud Antônio Cezar Lima Fonseca 2001):
A exploração sexual, por seu turno, é toda a forma de aproveitamento sexual sobre sua pessoa. Pode ser a exploração de forma comercial ou não. É todo tipo de atividade onde alguém usa o corpo de uma criança ou de um adolescente para tirar vantagens de caráter sexual, como diz o sociólogo uruguaio Gustavo Leal.

Concluindo o raciocínio acerca das especificidades que circundam as várias formas de exploração sexual, prossegue o referido autor, entendendo que a exploração sexual seria uma das categorias de abuso sexual, assim dispondo Lourensz e Powell (2000, apud Antônio Cezar Lima da Fonseca 2001):

Lourensz e Powell referem que a exploração sexual é uma das duas categorias de abuso sexual, sendo definida como: a) condutas ou atividades relacionadas à pornografia retratando menores; b) promoção ou tráfico de prostituição de menores ou c) coerção de menores à participação de atos obscenos.

Assim sendo, segundo entendimento de Antônio Cezar Lima da Fonseca, a exploração sexual seria o gênero do qual se originam as demais espécies de violência sexual, assim dispondo:

Neste aspecto, a exploração sexual seria um gênero, do qual sobressairiam as espécies previstas nos arts. 240 e 241 do ECA. Destarte, podemos entender que, pelo princípio da especialidade, toda exploração sexual de crianças e adolescentes que não estiver tipificada nos arts. 240 e 241 do ECA, ou nos dispositivos do Código Penal, caberá neste art. 244-A.

Detectamos, pois, serem bastante amplas as hipóteses de abuso e exploração sexual de menores, perfazendo-se a conduta delitiva dos crimes sexuais contra crianças e adolescentes sob as mais variadas nuances. Antônio Cezar Lima Fonseca elenca outras formas de agressões de caráter sexual que afligem crianças e adolescentes:

A criança e o adolescente não sofrem apenas pela prostituição e pela exploração sexual, mas também por outras agressões sexuais: estupro (art. 213, CP), atentado violento ao pudor (art. 214, CP).

Fazendo uma análise sociojurídica da realidade brasileira quanto ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes, verificamos ser indiscutível o entendimento de que medidas urgentes de combate têm de ser tomadas, tanto no âmbito legislativo como no jurídico e no social. É preciso que a exploração e o abuso sexual de crianças e adolescentes torne-se algo distante da nossa realidade social. Isso requer a inserção e o empenho de todos, em um conjunto harmônico, em consonância com os preceitos básicos traçados pela Norma Constitucional, que estatuiu ser dever de todos zelar pela proteção integral de crianças e adolescentes.

No entanto, para que ocorram com eficácia o combate e a prevenção ao abuso e a exploração sexual de menores em nosso País, é necessária a verificação de vários problemas delineados no bojo do ECA, bem como no Código Penal, de modo que se possa punir com presteza o infrator no delito de crime sexual contra crianças e adolescentes.

Optando por uma análise crítica pautada em aspectos diversos, buscando expor o entendimento que viabiliza a aplicação da norma já existente como forma de combate à exploração sexual de menores, dispõe o ministro Nilson Naves:

Dentro do seu território, ainda que o Brasil possa orgulhar-se de contar com uma legislação atualizada sob alguns aspectos, urge continuar o aperfeiçoamento das leis (embora eu ache que a questão de maior relevo seja a de fazer cumprir eficazmente as leis já existentes, aperfeiçoando os segmentos governamentais e não-governamentais competentes para prevenir e reprimir ações ilícitas), mais ainda quando se sabe que várias delas datam de quarenta anos e que, nestas seis décadas, houve mudanças significativas na estrutura social. Os crimes de natureza sexual aqui cometidos contra crianças e adolescentes estão a reclamar políticas públicas e a atuação imprescindível da sociedade civil organizada - o dever é antes de tudo da sociedade e do Estado - para medidas urgentes a fim de prevenir, coibir e, quando necessário punir severamente a exploração sexual de menores de dezoito anos.

Ao traçar análises referentes aos parâmetros ensejadores da exploração sexual contra crianças e adolescentes no País, bem como delinear as possíveis hipóteses de solução a esta triste realidade que "rouba" a infância de nossas crianças, dispõe Tiago Emboaba Dias:
A despeito da norma constitucional, um dos obstáculos ao combate à exploração sexual infanto-juvenil e suas variadas dimensões é a falta de dispositivos legais específicos na legislação infraconstitucional, que vislumbrem todas as suas nuances. De um lado temos o Código Penal, datado de 1940; de outro, temos a Lei nº 8.069 de 1990, conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Porém, nenhum deles é capaz de suprir com absoluta eficácia as complexidades inerentes a esta modalidade criminosa.

No que se refere ao Código Penal, é possível constatar que o mesmo encontra-se defasado da realidade há mais de seis décadas. Muitas alterações foram feitas e muitas propostas estão sendo submetidas ao trâmite legal, porém, sua base filosófica continua a mesma de mais de sessenta anos atrás, o que enseja uma série de discussões para a sua atualização.
Ressaltamos ser cabível uma reflexão sobre o tema em questão, visto sua relevância social. Precisamos descobrir e praticar formas eficazes de combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes. Contudo, para poderem ser efetivamente punidas e combatidas as formas de violência sexual infantil, é necessária a participação de todos, seja por meio da família, da sociedade ou do Estado, pois a exploração sexual infantojuvenil deve ser efetivamente banida do nosso contexto social.


Semiramys Fernandes Tomé
Advogada OAB/CE, graduada em Direito pela Universidade de Fortaleza (Unifor), pós-graduanda em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA).


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